Literatura periférica em destaque no Sarau dos Não Lidos

Evento integrou a programação da Feira do Livro(Foto: Josué Monteiro/Nonada)
Evento integrou a programação da Feira do Livro(Foto: Josué Monteiro/Nonada)

Sem livros publicados, muito para falar. Escritoras e escritores à margem do mercado editorial se reuniram na última segunda-feira (31), no Sarau dos Não Lidos, promovido pelo Nonada – Jornalismo Travessia.

O evento, focado na literatura periférica, teve como artistas convidados Ana dos Santos, Cíntia Colares, Jonatan Ortiz Borges, Marcelo Martins, Nayara Lemos e a jornalista Roberta Mello, representando o Ponto de Cultura Feminista: Corpo, Arte e Expressão. O grupo de hip-hop Guerreiro Poeta e Time Show foi responsável pela abertura. O objetivo era ecoar vozes talentosas da literatura portoalegrense, mostrando que a literatura não se resume ao círculo de editoras.

A noite integrou a programação da Feira do Livro de Porto Alegre, com a presença de alunas e alunos da Educação de Jovens e Adultos.

Público lotou o teatro Carlos Urbim (Foto: Josué Monteiro)
Público lotou o teatro Carlos Urbim (Foto: Josué Monteiro)

Confira alguns dos poemas:

Eu não estou sambando pra ti!
Eu sambo porque eu quero.
Eu não estou sambando pra ti!
Eu sambo porque eu gosto.
Eu não estou sambando pra ti!
Eu sambo porque meu corpo samba
meu corpo dança
meu corpo negro!
Eu não estou sambando pra ti!
Eu sambo o ano inteiro
e principalmente
no carnaval!
Eu não estou sambando pra ti!
Eu sambo para os instrumentos.
Eu sambo de alegria
e sambo de lamento.
Eu sambo com o meu povo
meu povo em movimento.
De África para o Brasil
sambo oceano e continente
sambo lágrima e suor
sambo mar e rio
e sambo contente!
E não para ti!

(Ana Dos Santos)

***

Pretas Nossas

Quando uma delas abre o verbo
uma avalanche de gritos de liberdade de ontem e hoje ecoam
Quando ela fala é como se segurasse muito firme para impedir
mãos que nos desferem chibatadas de palavras,
atitudes e olhares que ainda batem na nossa pele diariamente.
Quando a outra fala, abrem-se corações.
Ela nos faz confessar que estamos cansados de apanhar,
mas não vamos parar de lutar.
Vai ter luta,sim.
Lutar é obrigação para quem nasceu na tela com as cenas que tentam nos emoldurar.
Falo de Lilian Rocha.
De Ana dos Santos.
Guerreiras que nos inspiram a combater.
Que nos fornecem armas cotidianamente para lutar.
E coragem para nos desnudar.
Suas vozes e reflexões trabalham em busca de um novo amanhã para nós, para os que vieram de nós e aos que virão.
Pretas nossas, obrigada por dividirem conosco suas armas para o combate.

(Cíntia Colares)

***

O homem negro é um homem livre

Me ponho a sonhar com os negros nos campos da América
Negros de aço além das montanhas
Revolta dos mares
Fecundando a terra de sangue
E carne

Sonho com os negros da América
Amontoados em favelas
As mãos vazias
Batendo palavra em pedra
Os olhos imemoriais de meu avô
Cabelos brancos
Um negro brasileiro
Africano

Sonho com os negros em altares
Orixás santos alados
Majestosos e miseráveis
Ferreiros do tempo
Comunhão entre o futuro
E o passado
O presente tingido
De vermelho

Sonho com os negros
Mais negros que o sonho
A lágrima dentro do peito
O ferro na ponta dos dentes
Enfileirados no horizonte
Homens da cidade, da guerra
E do mato
A maioria, milhares
Pixaim, cabelo de aço
Pele de cobre
Vísceras sêmen saudade

Lá no fundo, antes do tempo
No silêncio
Meu coração bate
E no compasso distante
Sonho com os negros da América
Sangue do meu sangue
Banhando toda a terra.

(Marcelo Martins)

***

REVELAÇÃO

Tem uma esfera azul
Bela e gigante
Rodando, rodando e rodando
Suspensa…
Em meio ao escuro infinito.
E tu tirando selfie
Achando que é bonito.

(JOB)

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