Criolo carrega o estandarte do samba em Espiral de Ilusão

por Mairon Rodrigues

Samba e RAP são irmãos, todos nós sabemos. Mas para quem não sabe, “o DJ é o pandeiro e o MC é o partiteiro”, Marcelo D2 já disse em “Samba de Primeira. Criolo, depois de namorar com o samba em “Linha de Frente” no aclamado Nó Na Orelha e “Fermento pra Massa” no ótimo Convoque Seu Buda, lançar não-oficialmente os sambas “Gelo No Inferno” e “Casa De Mãe”, chegou com o bom disco Espiral de Ilusão, lançado agorinha, produzido por Marcelo Cabral e pelo Midas da música brasileira, Daniel Ganjaman, que lançou Sabotage, só pra ficar por aqui.

Vi muita gente falando “esse disco tá a cara do Cartola” ou “nossa, eu fecho o olho e vejo Adoniran Barbosa”. Manos, esqueçam, superem, let it go. Criolo é Criolo, ponto. É difícil fazer um disco de samba no atual momento do Brasil, já que a grande mídia prefere o enlatadão sertanejo ou os covers de Tiago Iorc e afins.

Criolo chega com o maior respeito ao gênero máximo desse país, com letras afiadas e bem executadas, remetendo ao samba da década de 60. Abriu o disco com “Lá Vem Você”, que conta histórias de amor com ótimo humor, cadência, suingue de primeira e um violão de sete cordas pesadíssimo. Criolo brinca com letra, brinca com a narrativa, que anda de mãos dadas com o RAP e o samba.

E o disco se desenrola despretensioso, com certa melancolia em alguns versos, como o da segunda faixa “Chuva de saudade demora / nostalgia é o guarda-chuva desse irmão/ e o para-raio é o pobre violão”. E seria impossível fazer um disco de samba sem falar de problemas sociais. O samba tem uma marca forte no Brasil, lembram do Zicartola, onde Cartola e Dona Zica chamavam músicos para cantar contra a ditadura?

Lembram do célebre samba cantado por Zé Keti em própria ditadura, que tinha um verso assim “podem me prender / podem me bater / mas eu não mudo de opinião”? Então, Criolo chega pisando firme no momento atual do Brasil com “Menino Mimado”. É um samba necessário, já nasce com cara de clássico, com uns dedos bem sutis na ferida, é uma letra fortíssima com frases fortes do tipo “Eu não quero viver assim / mastigar desilusão / este abismo social requer atenção” ou o recado com CEP e CPF “Meninos mimados não podem reger a nação”.

É um disco que brinca não só com o samba, Criolo faz um ijexá good vibes em “Nas Águas”, brinca com uma vertente muito legal do samba e que ficou esquecida depois que Moreira da Silva morreu, o samba de breque, em “Filha do Maneco”. A faixa que dá o nome do disco, “Espiral de Ilusão” é um sambão rasgado falando de um amor que deu errado. Na minha opinião, a grande faixa desse disco que é tão bom, é a apoteótica “Hora da Decisão”, em que ele brinca com a linguagem traçando paralelo entre futebol e problemas na favela.

Pra finalizar: esse muito bom disco do Criolo não é o ontem, não é o amanhã; é o agora. É um disco necessário, tão atual em sonoridade e letra, com rimas sóbrias e, o melhor, com respeito ao gênero, sem soar piegas ou pedante. É um disco que “cospe” as angústias de um artista que é tão ligado com as questões das favelas e consegue perambular pelo mainstream sem quase nenhuma restrição. Ouçam.

Compartilhe
Ler mais sobre
arte engajada Destaque Samba
Ler mais sobre
Curadoria Processos artísticos

6 artistas para conferir na Bienal 13

Comunidades tradicionais Processos artísticos Resenha

Do ventre da árvore do mundo vem “O som do rugido da onça”

Culturas populares Entrevista

Podcast: a tradição e o futuro do samba do Rio Grande do Sul