Pabllo Vittar lacrando bem na sua cara

por Raphael Carrozzo e Thaís Seganfredo

Fotos: Mariana Gil

Setembro de 2017. Mostra Queer é encerrada após ataques verbais de grupos ultra-conservadores. Peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” é impedida em Jundiaí (SP) pela Justiça com o argumento de que a apresentação seria “atentatória à dignidade da fé cristã”. Juiz Federal concede uma liminar que, na pratica, legitima os psicólogos a oferecerem a “cura gay”.

Não sei quando você vai estar lendo esse texto. Pode ser em setembro de 2017, no final do mesmo ano, 2018, ou ate mesmo 5 anos apos ele ter sido escrito. Tudo isso aconteceu em um prazo de duas semanas, período em que Pabllo Vittar realizou um show em Porto Alegre.

E o que tudo isso tem a ver com Pabllo Vittar? Tudo. Talvez você não saiba, esteja trancafiado em uma bolha, desconectado do mundo, ou, como disse, esta lendo esse texto alguns anos após ele ter sido escrito, mas a drag queen maranhense Pabllo Vittar é nesse momento a cantora mais poderosa do Brasil. Suas músicas são as mais pedidas nas rádios e as mais tocadas no Spotify. A sua ascensão do mundo da música foi descomunal e atingiu um novo clímax quando a cantora se apresentou no Rock In Rio – primeiro, em um dos palcos alternativos, quando o público que foi vê-la lotou o espaço, e, em seguida, convidada pela cantora Fergie para o palco Mundo, o principal do festival. Todos querem ver o show dela, todos querem cantar as suas músicas. Em Porto Alegre, não foi diferente.

Pabllo, a nova popstar do Brasil (Fotos: Mariana Gil)

O último show da cantora em POA, realizado em pleno 20 de setembro, foi uma boa definição de lacre. Isso mesmo, lacre, esse termo que começa a ser rechaçado por alguns setores da esquerda mas tem uma carga simbólica relativa ao empoderamento negro e LGBT por meio da estética, algo que até agora sempre lhes foi negado pela indústria cultural. Logo nos primeiros segundos, o público que lotou o Pepsi on Stage, ja estava com seus celulares para cima prontos para fotografar/gravar quando ela entrasse no palco. Como acontece geralmente em todo show de popstar, teve chorou quando ela subiu ao palco, às 20h45.

Pabllo cantou por menos de uma hora as músicas do seu álbum de estreia, Vai Passar Mal, lançado em janeiro. O tempo foi o suficiente para desfilar muitos hits, apenas com a companhia de um DJ, sem dançarinos e sem banda. Sozinha ela cantou, dançou, rebolou, desceu do palco e cantou junto com a plateia. Todas as músicas tiveram coro do público, que se acabou de dançar, principalmente nos grandes sucessos como “Ko”, “Corpo Sensual”, “Sua Cara (musica que fez com Anitta), “Open Bar”, entre outras.

Naquela noite, Pabllo protestou contra a absurda “cura gay”, consolou ela mesma e os próprios fãs. Talvez o principal momento do show tenha sido quando ela cantou “Indestrutível”, emocionada. A canção pode ter vários significados, mas pela atual conjuntura que o país se encontra, ela acabou ganhando um significado muito intimo para o momento e, por que não, para o movimento LGBT. Pois dia após dia, esse movimento sofre agressões físicas e/ou psicológicas. Tem seus direitos negados, seus espaços contestados, sua liberdade de expressão oprimida. Tudo vai ficar bem/E as minhas lágrimas vão secar/ Tudo vai ficar bem/ E essas feridas vão se curar/ Eu sei que tudo vai ficar bem.

Músicas da cantora estão entre as mais tocadas no momento (Foto: Mariana Gil)

Pabllo Vittar é uma pessoa provocante. Ela é desafiadora. Com sua arte, ela provoca um incômodo no status quo do conservadorismo em um âmbito imensamente popular, rompendo a barreira do rolê alternativo a partir dos caminhos abertos por outrxs cantorxs da Música Popular Brasileira contemporânea, como Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira, Johnny Hooker, Thiago Pethit, Linn da Quebrada (clique nos nomes para ler nossos textos sobre cada artista) e o veterano Ney Matogrosso. Cada um no seu estilo, eles estão levando a MPB a um novo nível, não apenas pela representatividade mas muito também por incluir as micropolíticas LGBT, negra e feminista no centro de suas composições.

É fato que a indústria cultural tem se apropriado dos discursos desses grupos identitários para conquistar público e ter uma imagem melhor diante da sociedade. Ainda que a utopia de uma sociedade plena de justiça social não tenha aparecido no horizonte, Pabllo provou que a partir de pequenas revoluções, é possível chegar ao topo. Que ela aproveite esse momento. Que ela utilize o sucesso para incomodar, fazer com que o público brasileiro aceite que, cada vez mais, a normatividade imposta vai ser ultrapassada. Que Pabllo continue, por muito tempo, lacrando.

Confira mais fotos (por Mariana Gil)

 

Compartilhe
Ler mais sobre
Entrevista Processos artísticos Resenha

Ana Cañas: “Querem calar as vozes que defendem os direitos e a democracia”

Direitos humanos Reportagem

Quebrando armários: os desafios de estudantes, pais e professores LGBTQIA+

Processos artísticos Resenha

Em show autobiográfico, Caetano endossa “Fora, Bolsonaro” do público