Associação Negra de Cultura se manifesta contra ações da prefeitura no Centro de Referência do Negro

Foto: Ismael Fonseca/Nonada

A Associação Negra de Cultura de Porto Alegre emitiu nesta quarta-feira (30) um manifesto contra a decisão da prefeitura de destinar o Centro de Referência do Negro Nilo Feijó ao depósito de doações da Campanha do Agasalho 2018. A entidade destaca que a ação não passou pela decisão do Conselho do centro cultural e descaracteriza as funções do espaço, que fica na av. Ipiranga, 311 e sedia eventos como o Sopapo Poético (saiba mais). Confira:

*por Associação Negra de Cultura (ANdC)

À comunidade negra de Porto Alegre.

As entidades proponentes e gestoras, reunidas nesta data por ocasião do evento literário e musical Sopapo Poético- Ponto Negro da Poesia (ANdC) juntamente com seus realizadores, apoiadores, artistas colaboradores e frequentadores, vêm DENUNCIAR e REPUDIAR com veemência o ataque da Prefeitura Municipal à cultura negra em nossa cidade, que visa descaracterizar as funções específicas do espaço cultural Centro de Referência do Negro NILO FEIJÓ. Espaço cultural este que, inaugurado como sendo pioneiro no país e desenvolvido com foco na promoção da igualdade racial, está ameaçado de ser reduzido a um depósito ou abrigo municipal, como parte dos equipamentos públicos de assistência.

O governo municipal, através de sua nova estrutura administrativa, vinculou o CRN à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte- SMDSE, a qual decidiu na semana passada colocar o centro à disposição da Campanha do Agasalho 2018 para estocar e fazer a triagem de doações.

Consideramos que tal manobra é um desvio da finalidade e da própria demanda que instituiu o CRN como espaço destinado à promoção da cultura e preservação da memória coletiva da comunidade negra em Porto Alegre. É um desrespeito às ações afirmativas na execução de políticas públicas garantidoras dos direitos do povo negro. Principalmente, aquelas que contemplam demandas de valorização e visibilidade da cultura negra nas áreas de teatro, música, literatura, fotografia, vídeo, memória histórica, acervos de bens culturais, museus, manifestações populares contemporâneas, etc… Estas reivindicações há muito são desejadas pela comunidade negra. Vale ressaltar que o Sarau Sopapo Poético, o ponto negro da poesia, serviu de estímulo a estas propostas, pelo caráter de liderança e abrangência da causa da afirmação do protagonismo de negras e negros na literatura do RS.

O Sarau Sopapo Poético, desde 2012, e também outros grupos e eventos da cultura negra porto-alegrense se engajaram nesta seara cultural, tais como Encontro das Pretas, Feira Black, Sarau Afro Gueto, Orgulho Crespo, Fórum de Mulheres Negras, Comga de Samba entre outros. Essas atividades vêm ocupando o espaço com finalidade cultural, dando suporte à manutenção artística da cultura local, trazendo um grande público ao Centro de Referência em permanente diálogo com a comunidade negra de toda a cidade. Mas, neste ano em que o CRN completa dois anos de inauguração, com atividades especificas da área proposta realizadas sem recursos públicos, após longa omissão quanto ao cumprimento do projeto de instalação e organização por parte dos órgãos municipais responsáveis, a Prefeitura apresenta a ingrata surpresa deste ato de apropriação indevida do espaço para um fim diverso. Decisão autoritária e de cunho assistencialista tomada sem contar com a opinião do Conselho Gestor do Centro, e desautorizado pelo Conselho Municipal Negro, sobre a destinação dada ao local.

A decisão da secretaria social de ocupar parte do prédio do CRN Nilo Feijó para a “Campanha do Agasalho do RS” com o objetivo de tirar aquele espaço do controle pela comunidade negra e da finalidade de promoção da história e cultura afro-brasileira, negra e africana no âmbito local representa inaceitável falta de consideração com todos os militantes do povo negro, o qual já vem de um histórico de desapropriação e perda de seus espaços representativos como os quilombos no meio rural e os clubes sociais negros remanescentes, escolas de samba, quilombos, favelas, territórios e quilombos do meio urbano.

É desnecessário dizer que não somos contra esta ação social de arrecadação de agasalhos para pessoas carentes no rigoroso inverno que temos em nossa cidade. Porém, o afirmamos para afastar o maniqueísmo por parte de qualquer um que queira nos fazer essa afirmação leviana e piegas. Repudiamos veementemente este abuso das prerrogativas de destinação, pela falta de ética, abuso do poder e tentativa de subalternização das lideranças que atualmente estão à frente do processo gestor da ocupação cultural verdadeira do espaço com protagonismo de negra e negros.

Diante dos fatos aqui tornados públicos, pedimos o apoio de todos os segmentos da comunidade negra de Porto Alegre, do RS e do BR, bem como todos os lutadores negros e não-negros pela igualdade e respeito aos Direitos Humanos, a se engajarem nessa corrente de solidariedade junto ao CRN, em favor da resistência cultural negra, afrobrasileira e diaspórica que ali se faz, para a realização de Audiência Pública, com a participação do Ministério Público, a fim voltar à plena manutenção deste espaço cultural que tanto nos orgulha e fomenta o empreendedorismo artístico regional com protagonismo de negras e negros.

Este manifesto visa uma solução em caráter de urgência para acabar com esse desvio de finalidade que viola diretos adquiridos e dialogar com a Prefeitura para que efetive a política de implantação do Centro de Referência do Povo Negro em Porto Alegre.

Sopapo Poético, o ponto negro da poesia! Associação Negra de Cultura (ANdC)

Compartilhe
Ler mais sobre
Processos artísticos Reportagem

Traduzir e transcender: Conheça a multiartista e cantora lírica Inaicyra Falcão, que entoa versos em Iorubá

Culturas populares Notícias Políticas culturais

Agentes de cultura popular reivindicam secretaria específica ao novo governo

Comunidades tradicionais Processos artísticos Resenha

Do ventre da árvore do mundo vem “O som do rugido da onça”