Brasil se aproxima da marca de 1000 indígenas mortos por Covid-19, diz APIB

Foto: Gabriel Uchida/Amazônia Real

Sem a implementação de qualquer plano de ação do governo Federal direcionado à contenção de Covid-19 entre as populações indígenas, o Brasil registra, até o momento, 984 indígenas mortos pela doença no país, segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Os dados são coletados pela Articulação junto à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e ao Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, que inclui números de indígenas não aldeados. A entidade também critica a falta de transparência da Secretaria, que não estaria monitorando de forma correta as cidades em que os óbitos aconteceram.

Já segundo a Sesai, os dados mais recentes até o fechamento desta notícia, publicados no dia 2, apontam 584 óbitos, 727 casos suspeitos e 43874 confirmados. O governo contabiliza apenas dados relativos aos indígenas aldeados, sem considerar, por exemplo, quem vive nas cidades ou em acampamentos.

No final de fevereiro, Aruká Juma, o último homem do povo Juma, foi vítima de Covid-19 depois de ficar semanas internado. Nos anos 1960, os Juma sofreram um ataque genocida que matou 60 pessoas e deixou apenas sete sobreviventes. Em nota, a APIB se manifestou sobre a perda: A COIAB e APIB avisaram que os povos indígenas de recente contato estavam em extremo risco. O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável.”

Obitos de indígenas de acordo com os estados brasileiros (Fonte: Apib)

Governo ainda não implementou plano de enfrentamento

Um ano após o início da pandemia, o governo Federal ainda não aprovou um plano de enfrentamento e monitoramento da Covid-19 voltado às populações indígenas. A Apib, em parceria com entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Fiocruz, vêm participando de negociações junto ao Supremo Tribunal Federal, desde que o órgão determinou que o governo tomasse providências para conter o avanço da doença nas Terras Indígenas.

Em fevereiro, as entidades se manifestaram criticamente à quarta tentativa de plano elaborada pela gestão de Bolsonaro, que não assume responsabilidade logística nem orçamentária quanto às ações apresentadas. Segundo a Apib, “a elaboração de um plano que atenda as necessidades de proteção integral dos povos originários se arrasta por quase um ano. A organização pede a não homologação do plano, tendo em vista que o plano apresentado segue ineficaz e insuficiente. Um exemplo são as medidas indicadas para conter invasões aos territórios indígenas que, ao ser tratada de forma superficial no plano, demonstram o menosprezo pela gravidade da situação”. 

De acordo com petição da Apib, a União, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), tenta camuflar a situação nos territórios, as tensões e violências crescem: “Lideranças indígenas morrem, o garimpo e o desmatamento avançam diariamente e a máquina pública, por meio de seus agentes que não possui compromisso com os princípios republicanos, que por determinação constitucional deveriam proteger os povos originários, trabalham para baixar expedientes que facilitam a apropriação das terras indígenas.”

A Abrasco e a Fiocruz também se manifestaram em nota técnica enviada ao STF no dia 12 de fevereiro. “É com extrema preocupação que redigimos esta nota técnica referente ao 4º. Plano de Enfrentamento e Monitoramento da COVID-19 para Povos Indígenas Brasileiros. Chegamos a um 4ª. Plano da União que, por um lado, agrega novas informações, mas que não explicita efetivamente o que será feito e tampouco assume a responsabilidade de garantir, em termos logísticos e orçamentários, a viabilidade das medidas que propõe”, diz a nota.

Desafios da Saúde Indígena

Desde a criação da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967, diferentes instituições e órgãos governamentais se responsabilizaram pelo atendimento das populações indígenas. Em 1999, essa política mudou, resultando na criação do subsistema de saúde indígena do Sistema Único de Saúde, organizado em 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dsei). Em 2010, graças à pressão do movimento indígena, foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), indígenas e não indígenas estão imunologicamente suscetíveis a vírus que nunca circularam antes, como é o caso do novo coronavírus causador da Covid-19. Diferentes estudos atestam, no entanto, que povos indígenas são mais vulneráveis a epidemias em função de condições sociais, econômicas e de saúde piores do que as dos não indígenas, o que amplifica o potencial de disseminação de doenças. Condições particulares afetam essas populações, como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, seja pela distância geográfica, como pela indisponibilidade ou insuficiência de equipes de saúde.

O ISA afirma que o subsistema do Sistema Único de Saúde criado para atender a saúde indígena sofre com a falta de estrutura e de recursos para tratamento de complicações mais severas como a Covid-19. Além disso, os modos de vida de muitos povos criam uma exposição às doenças infecciosas a qual as pessoas nas cidades não estão submetidas. Grande parte dos povos indígenas vive em casas coletivas, e é comum entre muitos deles o compartilhamento de utensílios, como cuias, tigelas e outros objetos, o que favorece as situações de contágio.

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