Artista pede mais inclusão de indígenas locais em festival

Ilustração: Raquel Kubeo

A artista, pesquisadora indígena Raquel Kubeo publicou nesta quinta-feira (8) uma carta aberta aos organizadores do Festival Porto Alegre Em Cena. Raquel, que também é mestra em educação, pede aos produtores a oportunidade de inclusão de artistas indígenas locais no festival que, nesta edição, abre espaço para artistas indígenas reconhecidos nacionalmente. O texto reflete ainda sobre as dificuldades de os artistas indígenas conseguirem se associar ao Sated-RS, devido à taxa de inscrição.

O Festival Porto Alegre em Cena foi idealizado a partir de uma demanda dos artistas em 1994 na gestão do iluminador João Acir, então presidente do Sated-RS. A ideia dos artistas era conectar Porto Alegre com o que de mais importante ocorria nas artes cênicas em âmbito mundial.

A proposta foi aceita pela prefeitura e concretizada por Luciano Alabarse, na época coordenador de Artes Cênicas da SMC. No ano seguinte, a Lei 7590/95 instituiu oficialmente o festival, determinando que o evento deveria ser realizado anualmente, com recursos municipais e de outras fontes, e contando com espetáculos de artes cênicas locais e de outros estados.

Segundo a lei, a seleção dos espetáculos da mostra deveria ser compartilhada entre o Sated-RS, o Departamento de Artes Dramáticas (DAD) da UFRGS e a prefeitura, mas previa também a participação de outros profissionais, de forma facultativa. Nos últimos anos, no entanto, a prefeitura tem escolhido um curador para selecionar os artistas. Neste ano, o ex-servidor Fernando Zugno foi selecionado para dirigir o festival.

Leia o manifesto abaixo:

Carta Aberta ao 28° Porto Alegre em Cena 

Por Raquel Kubeo

Considerações sobre os espaços que a Arte Indígena Contemporânea Ocupa seja nas Artes Visuais, Artes Cênicas, Performance, vídeo arte e/ou experimental ou qualquer outra forma de expressão nomeada no mundo ocidental, ou seja não indígena.

O Festival abre espaço para uma representatividade indígena nacional e internacional já consagrada no meio artístico, nesse sentido abre-se a responsabilizar coletiva sobre a consciência antirracista. E o questionamento: Quais as políticas adotadas pela organização para gerar o acesso aos artistas indígenas contemporâneos locais se inscreverem?

A mostra anual de artes cênicas da capital do estado, que em suas últimas edições teve na programação um foco no que se trata a Decolonialidade, apresentou um quadro de artistas dissidentes, indígenas e negres. Abre mais um edital de seleção para espetáculos locais com uma novidade um pouco injusta: um critério de 70% da ficha técnica composta por profissionais registrados na Sated-RS. Sem entregar nenhuma justificativa ao público, sobre o motivo de incluírem o critério ao festival nesta edição. Desacoberta aí um problema estrutural da nossa sociedade, mais uma vez falamos aqui sobre o racismo estrutural.

Com as exigências de registro no Sated-RS que somam um total de R$400 só em taxa, assim festival dificulta acesso a artistas indígenas das localidades de Porto Alegre e Rio Grande do Sul, fora outras despesas.
Na cidade de Porto Alegre há a insurgência da cena multi artística indígena contemporânea seja de artistas em formação e/ou de indígenas aldeados que não se enquadram no perfil acadêmico e/ou com currículo extenso e formal de registro profissional como pede o edital.

O maior incômodo se dá no contexto de que no ano passado as mostras digitais não tiveram esse critério. O que não gerou impedimento na inscrição de artistas voltados às artes urbanas, tradicionais e contemporâneas. Viemos por meio desta nota salientar a importância dos produtores do festival se sensibilizarem acerca das múltiplas realidades dos artistas indígenas contemporâneos, pensando em cotas de inclusão para essas camadas de artistas serem contemplados nas edições do festival, tanto a atual como as futuras.

Salientamos aqui que existe a necessidade no cenário nacional brasileiro de encontrar novos meios de organização antirracista que se responsabilize em acolher a diversidade de realidades entre artistas decoloniais.
Percebemos a importância da aplicabilidade da lei 11.645/2008 que visa a obrigatoriedade da inclusão das múltiplas identidades brasileiras como a história dos povos originários dentro da materialidade da arte como abordagem educacional visando aproximação desses mundos que circundam o universo indígena.

Portanto, convidamos aqui os produtores do evento e também do país a pensarem juntos com os artistas indígenas contemporâneos caminhos para lidar com nossas diferenças enquanto avançamos em sentido a mundo menos racista e com mais equidade.

Atenciosamente,
Raquel Kubeo
indígena artista-ativista-pesquisadora, Mestra em Educação(UFRGS)
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