Gratidão, Maestro: cantos e compassos de Tom Jobim

Por Marcos Almeida Pfeifer

Foto: arquivo

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim completaria 95 anos no dia 25 de janeiro. Não é preciso falar de sua importância e o que ele fez pela música brasileira. Se falarmos de amor, como diz a canção, se estará falando em Tom. Ele que amou através das suas canções, nos deixou lições de amor à vida.

Tom Jobim tinha a consciência do que a música brasileira fez por ele, através de Pixinguinha, Villa-Lobos e Dorival Caymmi, fontes que convergiram para o fluxo das águas da canção de Tom. Com Dorival ainda gravou discos e cantaram muito juntos, em vários encontros. Vinícius de Moraes que “viajou muitas canções com Tom” como dizia o poeta, e relaciono aqui a voz de Elizeth Cardoso, timbre inspirador para o músico.

Com Vinícius, fluem os encontros e, em 1958, Elizeth, uma das maiores cantoras da história da MPB, gravou o disco “Canção do Amor Demais”, com todas as faixas de autoria de Tom e Vinícius, ganhando a música e o povo brasileiro, um LP antológico, contando ainda com o violão de João Gilberto em duas faixas.  

A parceria inesquecível com Elis Regina num dos discos mais lindos da nossa cultura musical em que as águas abrem o mês de março de todos os anos da vida da gente. Parceiros mais jovens, assim iguais a Elis, Edu Lobo e Chico Buarque, que rendiam ciúmes afetuosos do maestro quando esses dois faziam composições juntos. A música “Choro Bandido” é uma delas, em que Tom se associa como fã e intérprete em gravações e situações mais descontraídas, pelo mero deleite de fazer música. 

Ao assistir documentários, entrevistas e momentos de Tom Jobim cantando e trabalhando com outros músicos, musicistas, cantoras e cantores, percebemos a humildade que acompanha os sábios; o maestro soberano sempre aprendendo, e com artistas mais jovens do que ele, sendo também fonte de inspiração para novos voos. 

Voos que sempre estiveram perto e longe na vida do maestro. Nos últimos anos de vida, residia entre Nova York, local que escolheu para trabalhar, e o Rio de Janeiro, local em que descansava e recebia amigos para celebrar a vida e a música. Mas, talvez o lugar em que o voo fizesse planar o seu ser, o homem e o músico, era na localidade de Poço Fundo, região serrana do Rio de Janeiro, no sítio em que Tom se transformava no Urubu que ele tanto falava e pesquisava, zeloso da natureza e da música popular brasileira. 

Foi neste sítio que Tom compôs “Águas de Março” e onde costumava passar as férias. E nesse lugar, a cultura, as matas, a natureza e o povo inspiraram as notas, talvez, mais lindas da nossa canção e o voo consciente do músico, que embora tivesse vivido e sobrevoado grandes pontos do mundo, encontrava na raízes da mata, na conversa saborosa com as pessoas do lugar, no canto inigualável do passaredo, a simplicidade cabocla, genial e única da sua obra. 

Os murmúrios do compasso circular do jongo, no repicar certeiro de um berimbau de capoeira, nos tambores de um terreiro que ecoam do mais recôndito lugar ao centro do nosso ser, deixaram lições de escalas e pautas na composição de Jobim, que desde Pixinguinha, passando por Elizeth e Vinícius, modelaram o Tom que cantou a nossa terra, simples, bonita e pura, assim. 

Com a chegada do seu piano na Mangueira junto com Chico Buarque, a reverência à raiz cultural que sempre esteve em seus compassos; a negritude e seus valores civilizatórios, a importância da coletividade, a sofisticação melódica de Cartola, Nelson Cavaquinho e Nelson Sargento, o universal sentimento do amor, suas desventuras e aprendizados, se encontravam e reverberavam nas bossas do maestro, que canalizava nas águas das suas canções, desde o puro toque do samba ao jazz da raiz negra norte-americana. 

O legado sonoro, artístico e de vida de Antônio Brasileiro é este: o cheiro e os sons da mata, as origens no ventre da terra, os saberes nas conversas com o povo, a importância da amizade e da parceria, e o reconhecimento da ascendência cultural negra e indígena, presentes ali, nas suas notas e versos, como informação musical, poética e social de quem somos. O compasso, a melodia harmoniosa e o ritmo cadente para vivermos, talvez, com mais felicidade e maior entendimento enquanto humanidade. 

Compartilhe
Ler mais sobre
Comunidades tradicionais Processos artísticos Resenha

Do ventre da árvore do mundo vem “O som do rugido da onça”

Memória e patrimônio Processos artísticos Resenha

A luta em festa na ‘Bagaceira’ de Dona Onete