No centro da imagem, André Porciuncula, secretário de Cultura, e Mario Frias, ex-secretário, seguram armas de fogo (Foto:eprodução/redes sociais)

André Porciuncula promete R$ 1 bilhão da Cultura para conteúdo pró-armas

Alice Maciel e Bruno Fonseca, da Agência Pública

“Pela primeira vez vamos colocar dinheiro da Rouanet em eventos de arma de fogo, vai ser super bacana isso”. A fala é de André Porciuncula, então secretário nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, e o responsável por analisar e aprovar propostas que desejam se enquadrar na Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. A promessa foi feita durante a Convenção Nacional Pró-armas, realizada no dia 28 de março deste ano, quando ele ainda ocupava o segundo cargo mais importante da Cultura no país. 

Segundo Porciuncula, o governo tem R$ 1,2 bilhão para dois “megaeventos”, dinheiro que pode ser usado, segundo ele, por criadores de conteúdos pró-armas. “Estamos lançando agora, de linha audiovisual, que vocês podem usar para fazer documentários, filmes, webséries, podcasts, para quê? Para trazer a pauta do armamento dentro de um discurso de imaginário. Trazer filmes sobre o armamento, da importância do armamento para a civilização, a importância do armamento para garantir a liberdade humana”, afirmou.

A referência, no caso, seriam as comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil, que será celebrado em setembro deste ano — um mês antes das eleições. “Estamos lançando na secretaria especial de Cultura dois megaeventos em que a princesa do evento é a arma de fogo, o presidente da República vai estar […] A arma de fogo foi fundamental pra que garantíssemos a nossa independência. Então trazer um evento em que a arma de fogo seja a nossa miss na passarela, que a gente mostre para população um outro olhar sobre a arma de fogo”, defendeu.

Oficialmente, a Secretaria de Cultura anunciou um edital de R$ 30 milhões para produções audiovisuais sobre o bicentenário. Segundo o texto, podem ser documentários, filmes de ficção ou animações de curta e longa metragem que tenham o tema da independência. A Agência Pública questionou a pasta sobre o financiamento de R$ 1,2 bilhão prometido pelo ex-secretário, que ainda não retornou.

“Chamo aos senhores a usarem a Lei Rouanet, que é uma lei de incentivo tributário também, para que vocês que possuem contatos com empresários ou então que sejam empresários, financiem eventos pró-armas com a Lei de Incentivo, eventos culturais sobre a arma de fogo com a Lei de Incentivo. Sejam agentes modificadores”, convocou Porciuncula.

Criticada por Bolsonaro, Lei Rouanet foi indicada para armamentistas

“Eu comando a famosa Lei Rouanet, aquela leizinha sem polêmica nenhuma”, ironizou o então secretário Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura ao se apresentar no evento pró-armas. Capitão da Polícia Militar da Bahia, ele ficou conhecido como “Capitão Cultura” e já afirmou em entrevista que “a Lei Rouanet não pode financiar eventos políticos”. 

Fã de Jair Bolsonaro, André Porciuncula, que foi nomeado ao cargo em setembro de 2020, afirma que está lá graças ao presidente. “O presidente me trouxe para dar um choque de gestão. Ter a coragem de fazer o que é certo”, disse. Jair e o filho, Eduardo Bolsonaro, estiveram ao lado do PM agora em março, quando ele assinou sua filiação ao PL e anunciou sua pré-candidatura a deputado federal pela Bahia.

Porciuncula discursou após o então chefe, o secretário de Cultura Mário Frias. Ambos deixaram os cargos para concorrer às eleições neste ano pelo partido de Bolsonaro, o Partido Liberal (PL). Frias foi exonerado no dia 30 de março e Porciuncula, no dia 31, após o evento pró-armas no qual prometeu as verbas da Rouanet.

Frias começou sua fala justificando que convidou Porciuncula para ser seu braço-direito na secretaria porque “a Rouanet era um caso de polícia”. “Então nada melhor do que ter um capitão da PM comigo na trincheira”, destacou. 

Assim como Porciuncula, Frias defendeu ao longo do evento a criação de obras audiovisuais voltadas ao movimento armamentista. “A guerra cultural é minimalista se você disser que era apenas o roubo do recurso público. Por quê? A cultura, ela é o imaginário da população. Então, além da gente fazer um trabalho político, além da gente realmente bater na porta, pedir seu voto, trabalhar pelo pró-armas, é importante que a gente crie obras de audiovisual, é muito importante”, defendeu. 

O ex-secretário deu como exemplo o filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha. “Todos nós vimos Tropa de Elite, será que aquilo se agarrou no imaginário comum das pessoas, da população brasileira? Nós elegemos um capitão, tem tudo a ver uma coisa com a outra”, ressaltou acrescentando: “Um filme que mostrou o cotidiano da polícia, tinha alguns objetivos diferentes, eles deram azar, a população entendeu que aquele capitão era o cara que a gente queria e não o otário do ator que faz o personagem. Então é muito importante, que a gente faça, que a gente trabalhe o audiovisual. Se a gente acredita em armas, a gente precisa criar os heróis. A gente precisa entender que as narrativas, principalmente pra população mais jovem, não são a partir de estatística, coronel, não são a partir de números que a gente vai convencer essa garotada de que nós queremos um Brasil melhor, e sim a partir da cultura”. 

A “estratégia”, segundo Porciuncula, é agir dentro do imaginário coletivo para que a população mude a percepção e apoie a pauta do armamento. Para isso, ele diz ter colocado a equipe e os recursos da Secretaria da Cultura à disposição de armamentistas, apesar de precisar deixar a secretaria para concorrer às eleições. “Estou à disposição, qualquer dúvida, enquanto estiver na secretaria — que eu devo sair agora esta semana para concorrer —, mas nós vamos deixar uma equipe totalmente alinhada ao secretário especial de cultura. Qualquer dúvida estamos de portas abertas, o Mario é CAC, nós adoramos atirar. Essa pauta é importantíssima, uma pauta de liberdade e eu peço senhores, usem (a Lei Rouanet) e não deixem de usar”.

A Agência Pública enviou questionamentos à Secretaria de Cultura sobre as falas dos então secretários, que ainda não respondeu à reportagem.

Chamada de desgraça por Bolsonaro, a Lei Rouanet é alvo constante de críticas por apoiadores do presidente. Em fevereiro deste ano, a Secretaria de Cultura, ainda comandada por Mário Frias, alterou regras da Rouanet. Segundo divulgado pelo governo, a lei reduziu o teto de projetos apoiados de R$ 1 milhão para R$ 500 mil, o de artistas para R$ 3 mil para cada projeto aprovado e o aluguel de teatro para R$ 10 mil.

Frias e Porciuncula defendem população armada

Dentre as justificativas para produzir conteúdos audiovisuais pró-armas, Porciuncula cita que elas seriam uma ferramenta para combater “crimes” do Estado, fazendo alusão a medidas impostas durante a pandemia de covid-19 para conter a disseminação do coronavírus.

“Arma de fogo não é só para você combater a criminalidade comum, mais do que isso, a criminalidade de Estado. Vimos como o Estado pode ser criminoso nessa pandemia, em que direitos e garantias individuais foram sistematicamente violados com a autorização de todo o sistema burocrático. Pessoas inertes, reféns ao monopólio da arma de fogo”, comentou.

No evento, Frias também criticou medidas de restrição impostas a nível estadual e municipal. “Assistimos, nós da Secretaria, muito aterrorizados com a postura de governadores e prefeitos em simplesmente trancarem a população dentro de casa sem pensar em como seria a subsistência dessas pessoas sem seu trabalho”, disse.

As falas de Frias e Porciuncula vão ao encontro do que o próprio presidente disse na reunião ministerial ocorrida a portas fechadas em abril de 2020, e divulgada posteriormente por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello. Na época, Bolsonaro defendeu que a população civil armada não precisaria ficar em casa por decretos de prefeitos.

“Como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um ***** ** **** aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua”, disse Bolsonaro, à época.

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