Crianças Mbyá-Guarani (Foto: Anselmo Cunha/Nonada)

Câmara aprova projeto que prevê línguas indígenas como cooficiais

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 3074/19, que torna os idiomas indígenas línguas cooficiais nos municípios que têm comunidades indígenas. A aprovação ocorreu em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça da Casa (CCJ). Agora, a matéria vai para o Senado. A medida pretende garantir a diversidade linguística das 274 línguas indígenas faladas por 305 etnias diferentes no país, segundo dados do censo de 2010 do IBGE.

A cooficialização de línguas indígenas já existe em 10 municípios brasileiros, incluindo cidades como São Gabriel da Cachoeira (AM), Tacuru (MS) e Bonfim (RR), aponta levantamento do #Colabora. O processo ocorre também com outros idiomas, como o Talian, tornado cooficial em Casca (RS), além do ucraniano e do polonês, em Mallet (PR).

Segundo explica o autor do projeto, deputado Dagoberto Nogueira (PSDB), na justificativa da proposta, “em um país com tamanha diversidade linguística e cultural, a cooficialização das línguas indígenas nos municípios que possuem comunidades indígenas significa dar visibilidade e, consequentemente, a garantia de direitos aos seus falantes. O processo de cooficialização reforça, ainda, a luta contra o preconceito sofrido por essas línguas, tidas muitas vezes apenas como dialetos ou gírias”.

Relatora do projeto na CCJ, a deputada Joenia Wapichana (Rede) avaliou que a aprovação da lei caminha por uma reparação histórica do silenciamento e apagamento das culturas indígenas no país. “O processo de colonização que foi instalado no Brasil – e cujas consequências se estendem ao longo dos anos – teve como uma de suas principais características a supressão das línguas minoritárias no Brasil através de pressões homogeneizadoras, principalmente as de domínio dos povos indígenas”, destaca. “Essas populações insistem constantemente não só pelo reconhecimento de suas línguas como para sua manutenção enquanto elemento indispensável de suas culturas e identidades”.

Nas negociações para a aprovação da proposta, a relatora teve que retirar a garantia de documentos e serviços públicos nas línguas indígenas cooficiais em cada município. Na prática, a aprovação da lei garante que os falantes dos idiomas tenham direito ao uso público dos idiomas, mas não garante que eles poderão acessar serviços públicos de forma bilíngue. Mesmo com as concessões, os deputados Gilson Marques e Bia Kicis votaram contra o PL. 

Inventário Nacional de Diversidade Linguística vai incluir mais 6 idiomas

Seis idiomas falados no Brasil, incluindo quatro indígenas, podem ser incluídos no Inventário Nacional de Diversidade Linguística, instrumento do Iphan para proteger a pluralidade de línguas no país. O Instituto já publicou pareceres técnicos iniciais sobre os idiomas, a partir dos quais a Comissão Técnica do Inventário vai deliberar pela inclusão ou não dos idiomas. 

Criado em 2010, o Inventário já mapeou e registrou sete línguas até o momento: a Asurini, cujos falantes habitam a Terra Indígena Trocará, em Tucuruí (PA), a língua Guarani M’bya, identificada como uma das três variedades modernas da língua Guarani, as línguas Nahukuá, Matipu, Kuikuro e Kalapalo, falada na região do Alto Xingu (MT), e o Talian, formado a partir do contato de distintas línguas originárias da região do Vêneto, na Itália e presente no interior dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso e Espírito Santo. 

Dados obtidos pelo Nonada via Lei de Acesso à Informação revelam que o investimento na área de diversidade linguística é escasso. Segundo o Iphan, apenas R$2,8 milhões foram destinados à realização de inventários sociolinguísticos, eventos, projetos e publicações  à diversidade linguística desde 2010.

Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Cléo Vilson Altenhofen, pesquisador da área e falante de Hunsriqueano, “o inventário é um recurso que nos últimos anos está sofrendo. Mas vemos que a colaboração das universidades é um auxílio, pois conseguimos engajar vários jovens nas comunidades de falantes e também instrumentalizar formando gestores. Nossa luta junto com o Iphan e outros pesquisadores é no sentido de ampliar o conhecimento sobre essas línguas”. 

Segundo mapeamento da Unesco, 190 línguas faladas no Brasil estão em risco de extinção. No mundo todo, o número de idiomas classificados como “em perigo” corresponde a 2.465. 

Saiba mais sobre as seis línguas recentemente inventariadas:

Iorubá – Introduzida no território brasileiro em meados do século XVI pela etnia homônima, a língua afro-brasileira é falada sobretudo nas Casas Tradicionais de Matrizes Africanas de origem nagô/iorubá, onde rituais e liturgias ainda são processados no idioma. A língua, transmitida oralmente no contexto religioso, possui grafia própria, elaborada no século XIX.

Hunsriqueano – O Hunsrückisch, ou hunsriqueano, é uma língua desenvolvida a partir de uma base dialetal germânica, estabelecida no Brasil com a chegada de imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo, em 1824. É falada por um numeroso contingente de cidadãos, principalmente em pequenos municípios e áreas rurais.

Sakurabiat – Trata-se de um dos cinco idiomas indígenas que compõem a família linguística Tupari, a segunda maior do tronco Tupi. O idioma apresenta três variedades linguísticas (Guaratira, Siokweriat e Sakurabiat), estando sua população étnica distribuída por cinco aldeias da Terra Indígena Mequéns, no estado de Rondônia.

Wari’ – Os Wari’ têm uma população estimada em 4.408 indivíduos, dos quais 4.248 mantêm residência em aldeias. É um dos únicos povos cuja língua pertence ao tronco/família linguística Txapakura. Também são conhecidos como Pacaás-Novos, Pakaa-Nova ou Orowari’ e estão distribuídos em terras indígenas também localizadas no estado de Rondônia.

Salamãi – A população Salamãi está dispersa pelo estado de Rondônia, e seus poucos descendentes moram nas cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim. Alguns deles se juntaram com os Cassupá (subgrupo dos Aikanã) na Comunidade Indígena Cassupá e Salamãi, nas proximidades de Porto Velho. Outros moram na Terra Indígena Sagarana, onde são identificados como Aruá.

Kwazá – A língua Kwazá foi classificada como genealogicamente isolada, sendo um idioma sem parentesco comprovado com outras línguas ou famílias linguísticas conhecidas. No território onde estão as comunidades Kwazá, nas cidades de Chupinguaia e Parecis, entre outros municípios de Rondônia, há uma grande diversidade étnica, caracterizando-o como um território multilíngue.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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