Foto: Maringas Maciel

Técnicos da cultura propõem salário mínimo e fim do trabalho informal ao governo

Entidades representativas dos trabalhadores técnicos e criativos dos setores cultural e de eventos pedem à ministra da Cultura, Margareth Menezes, uma série de ações para garantir direitos trabalhistas e proteção à categoria. O setor de trabalhadores técnicos ficou desprotegido na pandemia de covid-19, já que os eventos foram completamente paralisados em 2020 e boa parte de 2021.

“Os eventos são produzidos por mãos humanas de todas as cores, orientações e identidades — fazemos montagens e construções, criamos espaços, limpamos, carregamos equipamentos, desenhamos a luz, afinamos o som e/ou instrumentos, escalamos, projetamos imagens, etc. Somos a graxa, o backstage: trabalhadores camuflados em nome da cena e invisibilizados pela informalidade e pela precarização das relações de trabalho”, afirma a Articulação Nacional de Trabalhadores em Eventos.

Entre as propostas elencadas na carta aberta, assinada por cerca de 200 entidades e empresas do setor, estão a revisão da Lei 6.533/78 (que regulamenta as profissões de artistas e técnicos em espetáculos), a ampliação de categorias na lista de Microempreendedores Individuais (MEIs) e o combate à informalidade e contratos inadequados de trabalho. 

Atualmente, 37% dos trabalhadores da economia criativa atuam em postos de trabalho informais, segundo boletim do Observatório Itaú Cultural com dados detectados no segundo semestre de 2022. O mesmo estudo aponta que o salário dos trabalhadores negros da economia criativa é cerca de 50% inferior ao de brancos. Entre as mulheres pretas, a situação se agrava ainda mais, na medida em que o salário chega a ser 70% menor que o de homens brancos no setor.

Por isso, os técnicos também propõem o estabelecimento de um salário mínimo nacional para a categoria, além da criação de “uma nova tabela de valores com vistas a atender a totalidade das categorias e ocupações profissionais existentes”. Em uma publicação de 2022, a Unesco também sugeriu aos países signatários que os trabalhadores da cultura tenham direito a um salário mínimo e aposentadoria. 

Foto: José Fernando Ogura/AEN

Na carta, a Articulação também critica a ineficácia das medidas criadas para mitigar os efeitos da covid-19. “Os governos criaram linhas de financiamento e subsídios a empresas que permitiram o pagamento de dívidas e a garantia de capital de giro, com o questionável argumento de manter empregos, o que não ocorreu”, revela o documento, assinado por entidades como a Associação Backstage Brasília, a Associação Brasileira de Festivais Independentes e o movimento SOS Técnica SP.

Outra preocupação dos trabalhadores diz respeito à regulamentação das profissões do setor. A Articulação informa que “100 atividades da cadeia produtiva de eventos sequer constam na Classificação Brasileira de Ocupações” e pede  a criação de uma legislação atualizada. A Lei 6.533/78, que atualmente regulamenta o trabalho dos técnicos em espetáculos de diversões, foi criada na época da ditadura militar. Embora garanta alguns direitos como jornada com carga horária definida e folga semanal, o dispositivo é criticado por não atender as necessidades trabalhistas atuais dos trabalhadores.

O fomento direto aos trabalhadores da técnica é apontado como uma ferramenta de proteção social, com medidas como a inclusão de linhas de financiamento aos técnicos nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3022/2021 (Lei Naná), que propõe a valorização de projetos de acervo e memória das técnicas e tecnologias da cultura.

Confira as propostas dos trabalhadores: 

Formação e reconhecimento profissional

1. Incluir as Artes Técnicas no Sistema Nacional de Cultura com vistas à construção de uma política nacional de formação, qualificação, certificação e valorização dos saberes e fazeres técnicos da Economia Criativa, estimulando:

– Realização de ações de formação voltadas ao desenvolvimento Ju profissional, bem como proposição de articulações entre a educação formal, o saber adquirido na prática e a regulamentação das profissões; 

– Formação de parcerias com instituições de ensino para a criação de cursos técnicos e tecnológicos para qualificação da cadeia produtiva técnica de eventos; 

– Criação de Pontos de Cultura e/ou Caravanas Culturais e inclusão da técnica nos pontos de cultura existentes, para que atuem na formação dos Profissionais da técnica, descentralizando o acesso, atualmente concentrado nos grandes centros urbanos. 

2. Aprovar a proposta da Lei Naná PL 3022/21, que reconhece mestres e aprendizes e torna patrimônio imaterial os fazeres técnicos, além de também obrigar a inclusão dos técnicos nas leis de fomento cultural. Autoria do Deputado Federal Alexandre Padilha (PT-SP) em parceria com Família Camisa Preta – CWB, Movimento SOS Técnica SP e Multicabo MG. 

3. Promulgar o Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores em Eventos, como marco de valorização desses profissionais, de autoria da Deputada Federal Sâmia Bomfim.

4. Ampliar a participação e a representação de profissionais das artes técnicas em conselhos, colegiados setoriais, conferências, comissões e demais discussões relativas às políticas culturais, garantindo a defesa dos interesses do setor. 

5. Instituir o Colegiado Setorial das Artes Técnicas (ou Comitê Nacional das Artes Técnicas) com o objetivo de incluir definitivamente estes profissionais nas discussões sobre cultura e economia criativa, assim como sua efetiva participação nas conferências de Cultura. 

Mapeamento

6. Garantir a representação efetiva dos trabalhadores técnicos de eventos nas propostas de mapeamento e censo; 

7. Realizar mapeamento das atividades profissionais de trabalhadores da cultura com vistas a regulamentação dessas atividades, considerando:

– Inclusão na pesquisa do recorte de gênero (e identidade de gênero), raça e deficiências (sejam elas decorrentes, ou não, do exercício da profissão); 

– Definição das profissões que compõem a categoria, quais devem ser extintas, quais devem ser incorporadas, como essa realidade de classificação se dá nos estados em função das realidades regionais (econômicas e sociais) para, em seguida, buscar as subclassificações, evitando sobreposição de funções;

Foto: Maringas Maciel

– Criação de processo continuado de diálogo entre entidades representativas  dos trabalhadores da técnica, sejam eles formais ou informais como Fóruns, OSCs, Coletivos, Cooperativas, Sindicatos, Universidades, Sistema S, órgãos de pesquisa, gestores públicos e privados assim como o poder legislativo para a realização de pesquisa para o levantamento de dados e indicadores sobre o setor e seus profissionais, com vistas à elaboração de leis e políticas públicas que promovam o seu desenvolvimento.

Direitos

8. Revisar a lei N°6.533/78, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de Técnico em Espetáculos de Diversões, com vistas a atualizar o quadro de funções em que se desdobram as atividades profissionais, preservando e ampliando os direitos nela contidos. 

9. Criar uma lei que regulamente o estágio (eventual) para trabalhadores em eventos;

10. Instituir piso salarial nacional para trabalhadores da técnica em eventos e a criação de uma nova tabela de valores com vistas a atender a totalidade das categorias e ocupações profissionais existentes;

11. Buscar, a partir do estudo das profissões, por uma regulamentação que crie mecanismos de proteção para os trabalhadores, combatendo a informalidade, exigindo contratos adequados, que incorporem direitos e proteções, combatendo a “pejotização” como forma de precarização. 

12. Incluir na modalidade MEI todas as categorias técnicas mapeadas na cadeia produtiva de eventos e atualização (aumento) do teto anual, considerando as vulnerabilidades e particularidades da profissão e dos profissionais que trabalham na área;

Fomento

13. Garantir a participação efetiva de profissionais da técnica nos editais municipais, estaduais e distritais referentes às Leis Paulo Gustavo, de autoria do Senador Paulo Rocha PT-SP e Aldir Blanc II (PL 14399/22), de autoria da Dep. Jandira Feghali – PCdoB/RJ, Dep. Renildo Calheiros – PCdoB/PE, Dep. Alice Portugal – PCdoB/BA, Dep. Luizianne Lins – PT/CE, Dep. Alexandre Frota – PSDB/SP e Dep. Fernanda Melchionna – PSOL/RS;

14. Promover articulação nacional para a divulgação dos mecanismos da Lei Paulo Gustavo que se voltam aos trabalhadores dos bastidores e das obrigações dos estados e municípios em contemplar esses trabalhadores. Divulgação de notas técnicas da Câmara Federal e do Senado. Obrigatoriedade de busca ativa de técnicos; 

15. Lançar editais específicos e desburocratizados para os trabalhadores da técnica, nos moldes dos editais voltados à cultura popular;

16. Realizar, em parceria com a ANTE, a 2ª Edição do Fórum Nacional dos Trabalhadores da Técnica, prevista para acontecer no segundo semestre do ano corrente;

17. Criar prêmios voltados à valorização dos saberes e fazeres de trabalhadores da técnica.

Para se aprofundar no assunto: No documentário “Quem Monta um Palco Vazio?”, o Nonada contou histórias de trabalhadores da técnica que sofreram com a pandemia  de covid-19 e por questões estruturais que perpassam a falta de garantias. Assista aqui.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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