Foto: reprodução/TV Câmara

“Não é mamata, é uma prerrogativa da população ter acesso à cultura”, diz Margareth Menezes na Câmara

Em sabatina na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (3), a ministra da Cultura, Margareth Menezes, apresentou os primeiros resultados de sua gestão. Margareth fez uma defesa da Lei Rouanet, citando outros ministérios que utilizam leis de fomento, como o Ministério do Turismo, do Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério da Agricultura, que tem a Lei de Incentivo ao Agronegócio, aprovada em 2022. A ministra lembrou dos 1946 projetos aprovados na Lei Rouanet que estavam travados e foram liberados para captação de recursos logo no início de 2023.

“É bom que se saiba que o MinC é o ministério que recebe o menor percentual de recursos para fomento, apenas 4%, mesmo contribuindo com 3,11% do PIB nacional, segundo pesquisas recentes”, disse. A ministra reforçou que os primeiros meses de trabalho foram voltados para a reorganização do ministério. “A cultura voltou. Nos últimos 100 dias, nos debruçamos numa jornada intensa para reconstruir e instaurar a nova estrutura do Ministério”. 

O discurso também trouxe críticas à gestão dos governos Temer e Bolsonaro. “A perda do orçamento da administração é de 85% desde 2016. E a estrutura governamental caiu para menos de um terço”, afirmou. Segundo a ministra, o ministério [antes secretaria] estava fechado até então para o diálogo com a sociedade. “Estamos falando de um ministério que não pode ser temporal, a cultura deve ser tratada como política de Estado. E nós estamos ouvindo a todos, sem discriminação.”

Cultura como geração de renda e como cidadania

A importância da cultura para a economia foi um dos aspectos mais ressaltados por Margareth na sabatina. Segundo o Observatório de Economia Criativa da Bahia, a taxa de informalidade do setor é de 41,2%. “Estamos falando de vidas humanas, não é uma bobagem. As pessoas que vivem de cultura e arte só tem isso para viver. E quando se fala de cultura, estamos falando do coletivo, não é de um indivíduo. O orçamento [de R$ 10 bilhões para o MinC em 2023] não é só dos trabalhadores da cultura, é do povo brasileiro.”

A fiscalização da execução dos projetos da Lei Rouanet, um dos principais discursos da extrema direita contra o mecanismo de fomento, é um dos pontos de atenção do Ministério e será amadurecida com a nova instrução normativa da Lei Rouanet publicada em abril, segundo a titular. 

“Estamos buscando trazer mecanismos modernos para auxiliar tanto o fazer quanto a fiscalização. Estamos interessados cada vez mais em trazer mais transparência para o setor. Isso é importantíssimo para nós. Nós não somos bandidos, não é mamata, é uma prerrogativa do trabalhador da cultura e da população, de ter acesso à cultura. Mas as políticas culturais vão amadurecendo ao longo do fazer”, defendeu. 

A ministra pediu apoio aos deputados para a aprovação do Marco Regulatório do Fomento à Cultura e anunciou ainda que o governo vai destinar R$600 milhões por ano para o programa Cultura Viva, que estabeleceu os pontos de cultura. “Também vamos construir módulos para que a cultura esteja nas favelas, nas comunidades e no interior”. 

Deputados de direita adotam tom condescendente na sabatina

Após a fala inicial, a ministra foi sabatinada pelos deputados da Comissão de Cultura, que neste ano tem representação significativa de deputados da extrema direita. “Vivemos um culturicídio, tentaram assassinar a cultura”, afirmou Célia Xakriabá (PSol), defendendo o Marco Regulatório, que deve trazer segurança jurídica aos incentivos no setor. 

“Tentaram nos criminalizar dizendo que a  gente não queria prestar contas, então é importante pensar também uma cultura que esteja acessível. Estamos discutindo um financiamento que deve chegar às populações mais vulneráveis. Nós, povos indígenas, só permanecemos vivos exatamente porque a cultura está de pé”, disse Célia.

Já deputados de extrema direita apostaram no tom condescendente com a ministra e questionaram elementos pontuais dos mecanismos do MinC. “Gostaria de saber quais os 10 maiores nomes de pessoas físicas que vão receber recursos da Lei Rouanet e quanto já foi investido na cultura sacra”, questionou Abilio Brunini (PL), desconhecendo o fato de que a verba da Lei Rouanet é de responsabilidade de pessoas jurídicas e não físicas. 

Abilio também atacou um edital da Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem por, segundo ele, priorizar pessoas LGBTQIA+ como público beneficiado.“Esse edital da orquestra não é do MinC e é de 2015, então não respondo por ele”, respondeu Margareth após informação do secretário  de Incentivo e Fomento à Cultura, Henilton Menezes. O deputado Mario Frias (PL) ironizou o diálogo entre deputados e a Ministra, que marcaram na própria sabatina novos encontros para conversar sobre pontos específicos da área. “Já vi que estão fazendo acordos. A cultura voltou”, disse. 

A sabatina também foi marcada por debates entre os parlamentares. O ex-secretário de Cultura e a deputada Sâmia Bomfim (PSol) protagonizaram um desses momentos, quando Frias reclamou de a parlamentar ter citado a censura aos artistas nos últimos anos: “Por que não trabalhou nos últimos quatro anos? Teve sua oportunidade e agora fica esbravejando me interrompendo enquanto eu pergunto para a ministra”, falou a deputada.

A ministra Margareth Menezes respondeu a um questionamento de Frias, que disse que recebeu um passivo de R$ 12 bilhões na lei Rouanet quando entrou na secretaria. “Quando eu cheguei, o passivo [de projetos não auditados] era de R$ 18 bilhões”, devolveu a ministra. “Não podemos pensar que os artistas vão fazer malversação da prestação de contas. O que existe é uma estrutura que não está adequada ao fazer cultural e nós vamos ter esse cuidado”.

Deputados ainda tentaram tumultuar a sessão levantando a questão das cotas afirmativas em projetos culturais e insinuando que pessoas podem se declarar LGBTQIA+ para receber recursos de forma mais fácil. “A ministra analisa os projetos, não analisa orientação sexual. Acho um desrespeito insistir nessa pergunta, estamos juntando os nossos cacos, os nosso retalhos, pra mostra o Brasil com toda a sua cara”, falou Benedita da Silva (PT). Já a deputada Erika Hilton (PSol) também respondeu: “O Brasil é o país que mais mata LGBTQIA+s, você acha que realmente vai ter gente que vai usar isso ´para ganhar dinheiro?”

*atualizado às 11h do dia 4 de maio para corrigir informação da assessoria de imprensa do MinC: “ocorreu um erro na nossa apresentação, o valor investido nos Pontos de Cultura será de R$ 600 milhões por ano e não ao longo de 4 anos”

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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