Foto: Luciele Oliveira/Audiovisual MinC

Brasil destaca caráter transversal da cultura em reunião do G20 e retoma diplomacia cultural

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, defendeu o caráter transversal da cultura e sua relação com as áreas social, econômica e ambiental em reunião dos ministros da cultura do G20 na Índia, no sábado (26). Em dezembro, o Brasil assumirá a presidência do grupo, cujo encontro oficial de 2024 vai ocorrer no Rio de Janeiro. Já na área da cultura, o encontro será em Salvador (BA), no mês de outubro.

Em seu discurso no encontro deste ano, a ministra apresentou alguns dos pontos que o Brasil vai propor nas discussões com os ministros da Cultura: proteção e restituição de propriedade cultural; patrimônio cultural vivo para o futuro sustentável; economia criativa e indústrias culturais, uso das tecnologias digitais para a proteção e promoção da cultura.

“Esses pontos de discussão estão ancorados na visão do Brasil de que a cultura não constitui tema estanque, isolado de questões políticas e econômicas. Pelo contrário: possui caráter transversal, articulando-se indissociavelmente a questões como sustentabilidade, cooperação Sul-Sul, inclusão social, diversidade, cidadania, direitos humanos, economias criativas, preservação do meio ambiente, dentre muitos outros”, declarou Margareth Menezes.

Citada cinco vezes no discurso, a temática da sustentabilidade aparece como uma das questões em destaque. Desde o início do ano, o governo tem feito menções tímidas à relação entre cultura e meio ambiente, um tema já bastante debatido em âmbito global, com ações sendo adotadas em diversos países e em organizações intergovernamentais

No mês passado, o MinC participou do Fórum sobre Cultura e Justiça Climática em Belém (PA), sede da Cop30, que ocorrerá em 2025. Ainda assim, a temática ainda não foi incluída oficialmente nas diretrizes do Ministério da Cultura, e agentes do setor cultural cobram mais participação da sociedade civil nas discussões, conforme apurou o Nonada.

Além das reuniões oficiais do G20, o Brasil também participou de 14 encontros bilaterais, celebrando parcerias e acordos de cooperação. O G20 é formado por Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além da União Europeia.

Cultura do Brasil perdeu espaço na cena global nos últimos anos

A retomada da diplomacia cultural foi uma das demandas levantadas pelo GT de transição da área de Relações Internacionais, durante o governo de transição, em dezembro de 2022. Relatório divulgado pela organização Fiquem Sabendo revela que o grupo de trabalho da área detectou que o Brasil perdeu espaço no cenário internacional no âmbito da cultura.

“Na UNESCO, o Brasil deixou de apresentar candidaturas aos comitês do  Patrimônio Mundial e do Patrimônio Cultural Imaterial e não tem obtido financiamento para seus projetos de economia criativa, no âmbito do comitê da Diversidade Cultural. Houve redução e descontinuidade da participação em iniciativas internacionais de cooperação e fomento cultural, como o CPLP Audiovisual e os programas ibero-americanos”, aponta o relatório. 

O dossiê atribuiu a “esforços individuais” ações como a criação do Instituto Guimarães Rosa (IGR), em 2022, órgão responsável pela divulgação cultural do Brasil no exterior. Segundo o governo, das 24 unidades do IGR no exterior, há 13 na América Latina e no Caribe, 6 na África, 3 na Europa e 2 no Oriente Médio.

Confira a íntegra da fala de Margareth Menezes:

Bom dia a todas e todos,

É uma grande honra dirigir-me a todos os ministros nesta reunião tão significativa para as políticas públicas da cultura no mundo.

Cumprimento calorosamente as autoridades presentes, em especial, nossos colegas da Troika, Indonésia e nossos anfitriões indianos, que souberam organizar tão bem esse belo encontro!

Sou Margareth Menezes, Ministra da Cultura do Estado do Brasil, venho diretamente do setor Cultural e artístico. Sou cantora, compositora, ativista social há 19 anos trabalhando com projetos para emancipação e qualificação de pessoas das periferias na cidade Salvador, fundadora da Organização Não Governamental Fábrica Cultural e, também, criadora do movimento Afro Pop brasileiro que, nos últimos 25 anos, vem debatendo e defendendo, no cenário musical, o protagonismo, as influências e as contribuições dos artistas afro-brasileiros no contexto da música contemporânea e urbana do Brasil.

Para nós, do Brasil, é uma grande satisfação poder estar ao lado de países com culturas e realidades tão ricas e inspiradoras. Temos consciência dos nossos desafios, mas também sabemos que a solução passa, não apenas pelo reforço das nossas capacidades internas, mas também, pelo compartilhamento de experiências e pela convicção de que juntos podemos fazer mais e melhor.

A cultura, em todas as suas formas, é uma força poderosa que atravessa fronteiras, une nações e molda o curso da humanidade. Desde os costumes tradicionais das comunidades indígenas até as expressões modernas de arte, literatura, música e cinema, a cultura atua como um catalisador para a paz, fomentando a compreensão, o diálogo e a tolerância entre as nações.

Senhoras e Senhores,

Nos últimos anos, o G20 tem tido a oportunidade de alavancar a voz dos países em desenvolvimento. A nova Troika que será formada, a partir de 2024, com a presidência do Brasil no G20, ao lado da Índia e da África do Sul, será uma oportunidade de avançar ainda mais, em conjunto, em prol de soluções equitativas, inclusivas e representativas para o mundo.

Da mesma forma, nesta Reunião de Ministros de Cultura, temos a oportunidade de construir, no espírito de cooperação e de valorização dos esforços das presidências anteriores, políticas e propostas concretas para o setor cultural.

A Índia mostrou exemplo de liderança neste foro, ao promover a realização de seminários temáticos, que abordam questões cruciais para a cultura global: proteção e restituição de propriedade cultural; aproveitamento do patrimônio cultural vivo para o futuro sustentável; promoção da economia criativa e das indústrias culturais, bem como o uso das tecnologias digitais para a proteção e promoção da cultura.

O Brasil está empenhado no fortalecimento da dimensão cultural da nossa cooperação no âmbito do G20 e estamos ansiosos para recebê-los no Brasil no próximo ano.

Já iniciamos os trabalhos de preparação para assumir a presidência do G20, tanto no plano conceitual, definindo parâmetros e objetivos, quanto nos aspectos logísticos, de maneira garantir uma gestão eficiente e produtiva deste foro. Gostaria de destacar o valioso legado construído pela Índia, bem como a cooperação e a coordenação com a Indonésia, ambos parceiros fundamentais nessa trajetória conjunta. Trajetória que também se beneficiará da fundamental contribuição de todos os outros representantes aqui presentes, no dia de hoje.

Enquanto ainda estamos finalizando nossa proposta para o G20, gostaria de compartilhar com vocês nossa visão para o Grupo de Trabalho da Cultura. Queremos orientar as discussões em torno a 4 temas prioritários: 1) diversidade cultural e inclusão social; 2) direitos autorais e tecnologias digitais; 3) impacto da cultura no desenvolvimento; e, 4) preservação e promoção do patrimônio cultural (material e imaterial).

Esses pontos de discussão estão ancorados na visão do Brasil de que a cultura não constitui tema estanque, isolado de questões políticas e econômicas. Pelo contrário: possui caráter transversal, articulando-se indissociavelmente a questões como sustentabilidade, cooperação Sul-Sul, inclusão social, diversidade, cidadania, direitos humanos, economias criativas, preservação do meio ambiente, dentre muitos outros.

Pretendemos tratar desses temas em 4 reuniões do Grupo de Trabalho da Cultura. A primeira delas será em janeiro de 2024, em formato virtual, para possibilitar ampla participação de todas as delegações nesta reunião de kick-off para nossos trabalhos durante o ano, os quais culminarão na nossa Reunião de Ministros de Cultura, que, tenho a alegria de compartilhar com vocês, será em outubro de 2024 na minha querida cidade de Salvador! Terei imenso prazer de receber todas e todos vocês na minha terra!

Caros amigos,

Desejo que todos nós possamos valorizar este rico momento de congregação aqui em Varanasi para fortalecer nossos laços e nossa visão comum sobre os principais desafios e temas afetos à cultura.

O exercício do consenso neste importante palco do G20 é fundamental para respeitarmos as posições divergentes, sem perder de vista a necessidade de uma certa dose de ousadia para avançarmos na definição de prioridades e de métodos comuns que assegurem que a cultura, em todas as suas formas, seja considerada em sua mais plena concepção, como um instrumento capaz de promover a paz social, incentivar o desenvolvimento econômico e o equilíbrio do meio ambiente. A cultura deve ser parte fundamental de qualquer cenário de um mundo mais inclusivo, desenvolvido, representativo e sustentável.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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