Arte: Katarina Scervino/Nonada Jornalismo

Na semana da Cúpula da Amazônia, gestores de cultura defendem o papel do setor na Justiça climática

Ao som do carimbó do grupo As Sereias do Mar, do município de Marapanim (PA), gestores culturais, representantes do Terceiro Setor, trabalhadores da cultura e líderes indígenas e quilombolas se reuniram nesta segunda (07), para debater a importância da cultura na Justiça Climática e na preservação do meio ambiente. O encontro, promovido pelo Consórcio Interestadual Amazônia Legal, ocorreu em paralelo à Cúpula da Amazônia.

Na fala de abertura da ministra da Cultura, Margareth Menezes, as palavras “riqueza” e “bem viver” indicam como o governo tem pensado em políticas para a região. “O Ministério da Cultura vem sinalizando uma aproximação com a região norte do nosso país, essa região pulsante de cultura é uma usina de riquezas sem a qual é impossível pensar caminhos para o futuro do planeta sem o enfrentamento dos problemas ambientais que hoje ameaçam a existência da humanidade”, disse. 

A ministra também defendeu que é preciso “discutir práticas ecológicas e sustentáveis usando a cultura como ferramenta, nas suas formas escritas, orais e originárias” e anunciou que o MinC deve lançar em breve um edital da Lei Rouanet exclusivo para a região norte.

O evento foi marcado pelo lançamento da Carta de Secretários e Secretárias de Cultura da Amazônia Legal, lida pela secretária de cultura do Pará, Úrsula Vidal. “A cultura se coloca nesse lugar de articulação, porque compreendemos que o bioma é um elemento que nos identifica. Isso que nos caracteriza é um valor amazônico e não custo amazônico”, disse.

O documento pede a inclusão da dimensão cultural junto às dimensões econômica, ambiental e social quando se fala na preservação da Amazônia.  “A Amazônia é feita de pessoas. O mundo precisa se preocupar com o bem-viver dos quase 30 milhões de amazônidas. A Amazônia é esse território de grande diversidade étnica e cultural e essa pluralidade cultural, especialmente quando se trata dos povos e comunidades tradicionais, representa a harmonização entre o desenvolvimento socioeconômico com a manutenção da floresta viva”, diz a carta.

“Em decorrência de fatores históricos com o peso de desigualdades econômicas e sociais, o setor da economia da cultura e economias criativas possui um peso ainda pouco expressivo na dinâmica da Amazônia legal. Outra preocupação latente é o desafio de formação e qualificação do setor, especialmente quando falamos em redes produtivas das artes e das manifestações das culturas tradicionais”. Nesse contexto apontado pelos secretários, a proposta é que sejam criadas ações para potencializar o setor, de forma a contribuir para a uma economia verde. 

Experiências amazônidas para a pluralidade cultural 

Na programação do Fórum, os secretários de cultura da Amazônia apontaram experiências e caminhos para incluir o setor cultural no âmbito das políticas para a preservação do bioma, como hoje ocorre de forma transversal com áreas como a educação e a comunicação. Para Marcos Apolo, secretário de Cultura e Economia Criativa do Amazonas, a cultura transita entre todos os setores, por isso é preciso pensar em políticas integradas. “[Precisamos] entender a complexidade das culturas, dos saberes e fazeres, o respeito à cultura indígena e assegurar o conhecimento ancestral”. 

O secretário do Amazonas elencou algumas ideias que podem contribuir para uma ação mais efetiva do setor cultural, respeitando as diferenças de cada região do bioma: pesquisa e registro das culturas amazônicas, oficinas de sensibilização ambiental para artistas, residências artísticas sustentáveis, parcerias com comunidades locais e a criação inclusive de uma legislação própria para o tema.

O fomento à cultura dos municípios do interior do estado foi uma das urgências apontadas por Marcos. Ele contou que até pouco tempo o investimento da cultura chegava apenas a Manaus e a Parintins e que muitos recursos destinados a editais no interior voltavam para o governo por falta de concorrentes. “Temos um problema, por exemplo, que muita gente não sabe o que é portfólio. Então a gente precisa simplificar as ferramentas, mas também permitir que as pessoas também tenham acesso à informação necessária”. Hoje, 100% dos municípios do Amazonas estão habilitados para receberem recursos da Lei Paulo Gustavo.

Joana Machado, servidora que atua na secretaria de Educação do Pará, também destacou que é preciso pensar de forma mais prática e específica em políticas públicas para a cultura que sejam voltadas para as amazônias e sua “complexidade de sujeitos e culturas”. A gestora explicou que o conceito de desenvolvimento não é o que pauta o trabalho da secretaria. “O desenvolvimento não é uma concepção nossa. Nossa concepção é o bem viver”. 

O entendimento de que a cultura vai além das manifestações artísticas é conceito-chave para o vice-presidente do Fórum de secretários estaduais de Cultura, Jan Moura. O secretário-adjunto de Cultura do MT compartilhou algumas experiências que a pasta tem desenvolvido no estado do centro-oeste. 

“Quando a gente rompe com essa visão eurocentrada das artes e começa a entender que cultura é muito além disso, se manifesta no mundo das artes mas está longe de se fixar nelas, a gente começa a entender que o trabalho com as outras camadas da sociedade são fundamentais para a nossa política”, apontou. 

Para o gestor, quando se fala em culturas indígenas, por exemplo, é preciso considerar muito além das expressões culturais como as pinturas corporais ou danças. “Falar sobre cultura dos indígenas é falar não só sobre um instrumento musical, é falar também sobre poços artesianos, sobre energia e outros itens essenciais para a vida [desses povos]”. 

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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