De Leonardo Da Vinci a Anish Kapoor, são inúmeras e diversas as obras de arte que já passaram pelas mãos de Luiz dos Santos Menezes, 42, artista e montador que vive na cidade de São Paulo. Com trabalhos de montagem de exposições frequentes, é assim que Luiz ganha a vida há 15 anos, seja colocando de pé telas e instalações em um museu, seja convertendo a obra de arte em decoração na casa de colecionadores.
Muitas vezes, Luiz e a equipe de montagem são os primeiros a entrarem no museu e os últimos a saírem. Ele conta episódios em que teve de entrar às nove horas da manhã no museu e conseguiu se liberar apenas às 10 horas da manhã do outro dia. “Infelizmente, queira ou não, é abusivo, porque você sobressai muito do seu horário. Mas não é pela galera, pela equipe, é mais pelas demandas que acontecem. Coisas adversas acontecem muito”, conta.
A lista de fatalidades que podem atrasar o processo de montagem é longa, indo desde falta de luz e problemas com encanamento até atrasos de voo do curador que pensa na exposição e precisa conversar com a equipe que vai montá-la.
“Às vezes a montagem que é pra ser cinco dias, vira oito. Muitas exposições, dessas grandes e badaladas, às vezes a gente tá lá montando antes de abrir pra todo mundo chegar e ver. Várias vezes, a exposição já abriu, os convidados estão entrando e a gente tá lá no meio colocando legenda, só que as pessoas não percebem muito, é engraçado. Essa coisa de legenda e texto dá um grande problema”, explica Luiz.
É só colocar prego na parede?
“Leigo fala que é só bater dois pregos na parede e colocar o quadro. Tem obras que são muito delicadas ou muito pesadas. São vários parâmetros que, visualmente, um leigo olha e fala que é simples”, comenta Luiz sobre a percepção de muitas pessoas acerca do trabalho de montagem.

Kelviane Lima, 40 anos, que trabalha com exposições na cidade de Fortaleza (CE), já ouviu comentários semelhantes: “Escuto muita piadinha das pessoas. Não é só um prego na parede. A gente tem que fazer cálculo, medir o espaço, deixar espaçamento entre as obras, dar segurança para essa obra estar instalada, pensar quando um visitante chega para visitar o espaço, a obra não correr o risco de cair ou quebrar. Então tem toda uma logística que tem que ser feita antes de ser montado e apresentado em uma exposição para o público.”
Atuante em Campinas (SP), Mariana Atauri Maurer, 42, não tem a montagem de exposições como principal ofício. Esse trabalho é, para ela, intermitente e recente, sendo sua principal atuação a direção de arte no audiovisual. Formada em ciências sociais, entrou no ramo do cinema a partir de uma especialização. As exposições de artes visuais contaminaram sua vida profissional a partir de uma videoinstalação de um sócio que, na época, fazia parte da mesma produtora que ela.
Mariana conta que foi a exposição Linhas de Histórias (2018) do Sesc Campinas que deu a ela bastante perspectiva da montagem de uma expografia. Nesse trabalho de lidar com videoinstalações e aparatos tecnológicos, questões do trabalho são colocadas para o montador resolver. “Você tem dificuldade de, de repente, fazer uma exposição com muitas coisas que precisam de energia porque não tem tomadas, porque é um espaço antigo. Então você tem que ficar pensando em toda a estrutura de energia”, diz Mariana.
A resolução dessas questões, muitas vezes, envolve uma negociação com os artistas e curadores, explica Kelviane: “Às vezes ele [o artista] não tem noção, ele produziu, mas ele não tem noção de como é que vai ser instalado, se o local que vai ser instalado pode furar, se o prédio é tombado. Então tudo isso é uma complexidade que tem que ser discutida com o artista, junto com o curador. Tem artistas que aceitam de boa e tem outros que não, que é do jeito dele, então a gente tem que ir conversando com ele para tentar chegar no melhor acordo.”
Caixa de ferramentas
Há uma pluralidade do ofício, que muitas vezes é acompanhado do exercício de outras funções, como a iluminação da própria exposição que se monta. “Não é um serviço. Tanto que quem é MEI [Micro Empreendedor Individual], ou quem é ME [Micro Empresa], como eu, lá não tem a especificação de montador de exposição, não existe esse serviço”, explica Kelviane.
Em nota ao Nonada, o Ministério da Cultura (MinC), por meio da Diretoria de Políticas para Trabalhadores da Cultura (DTRAC), afirma que está trabalhando na “necessária atualização dos Códigos Nacionais de Atividades Econômicas (CNAEs), utilizados na classificação das atividades desenvolvidas por profissionais e organizações junto à Receita Federal. Desde sua criação, a DTRAC tem recebido demandas da sociedade civil, sindicatos e associações profissionais, reforçando a urgência da ampliação e da reclassificação dos códigos que representam o setor cultural. No entanto, trata-se de um processo complexo, que depende de estudos técnicos a serem realizados pelo IBGE, órgão responsável pela base estatística que sustenta os CNAEs.”
O MinC diz que também atua realizando outras ações, como a atualização da Classificação Brasileira de Ocupações (CBOs) junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), incluindo ocupações culturais ainda não reconhecidas formalmente e o acompanhamento do mapeamento nacional das ocupações e atividades do Mundo do Trabalho da cultura. Outra medida foi a celebração de um Acordo de Cooperação Técnica com o Ministério do Trabalho e Emprego, contempla ações voltadas à formalização das relações de trabalho, prevenção de riscos ocupacionais e valorização da economia criativa, popular e solidária.

Oggin, 34 anos, que também trabalha em Fortaleza com montagens de exposição, produz peças táteis – fruto de seu trabalho como artesão – para esses mesmos espaços. A primeira montagem da qual Oggin participou foi em 2022, na abertura da Pinacoteca do Ceará. O convite veio de uma funcionária da Pinacoteca que já acompanhava o conteúdo produzido por Oggin para as redes sociais: “Você quer compor a equipe? Tá vindo uma equipe grande de São Paulo porque a gente não tem nenhuma aqui em Fortaleza”. Convite aceito, Oggin passou a integrar o trio de cearenses que junto do pessoal do sudeste levantou a exposição. “Dos outros dois, só eu continuei”, acrescenta o montador.
Em 2024, Oggin abriu uma empresa de montagem para atender os espaços de arte em Fortaleza. “Eu entendi que existia uma demanda. Existia uma mão de obra que faltava uma organização. E o cenário, no caso da minha cidade, não tinha tanta concorrência. A concorrência é relativamente baixa. E quando eu vi a equipe que eu tinha, pessoas muito habilidosas, eu achei que seria interessante eu organizar”, conta.
Metade dos rendimentos do cearense, hoje, vêm dos trabalhos envolvendo montagem. Desde o início de 2025, não ficou um mês sem montar uma exposição, ainda que reconheça que existam hiatos nesse caminho. Também existem práticas recorrentes que tornam instável a renda, como receber pagamento atrasado, afirma Oggin. “Acho normal,eu entendo que há um atraso das instituições.”, diz.
Muitas vezes Oggin tira do próprio bolso para cobrir a equipe que trabalha com ele, visto que o pagamento pelas instituições pode atrasar até três meses, como conta. Quando prestava serviços de montagem para outras empresas que eram contratadas por espaços de arte, ficava esse tempo trabalhando sem receber.
Esta imprevisibilidade no ganha-pão é ilustrada também pela ausência de um preço de mercado fixo para o ofício de montador, segundo Kelviane. “[Muitas vezes], a instituição vai pelo preço menor. Acaba me prejudicando porque para eu chegar no que a pessoa que está iniciando vai cobrar, eu tenho que diminuir a quantidade de pessoas”, diz.

A contratação também tende a acumular mais de uma função à pessoa que monta. Em alguns trabalhos, Kelviane é chamada não apenas para colocar de pé a exposição como também para pensar sua expografia a partir da planta do prédio. Isso inclui, para além de fixar e dispor as obras pelo ambiente, pensar essa disposição e nos materiais e cálculos necessários para efetivá-la. Nesses casos, onde mais de uma função é atribuída a pessoa, Kelviane explica que a remuneração é maior.
O que ninguém vê
Quando questionado sobre a invisibilização do trabalho do montador, Luiz responde: “De certa forma, ele é um pouco invisível, sim. Porque, querendo ou não, são os bastidores. Tem esse outro lado da equipe, que é o montador, o cara da pintura, a marcenaria, o eletricista, a iluminação, o próprio pessoal da faxina que está ali. Tudo é um conjunto. Mas poucas pessoas têm o destaque. Sem nós, no geral, não funciona.”
Mariana percebe a invisibilização em todos os trabalhos que exerce no universo das artes. Ela ressalta que no audiovisual ocorre algo muito similar ao relato do Luiz, onde geralmente funções como a de diretor ganham destaque enquanto a de direção de arte fica relegada aos bastidores. Isso, segundo ela, influencia inclusive no orçamento destinado a determinado ofício.
Já Oggin vê o trabalho do montador desvalorizado no contexto de Fortaleza, mas comenta que existem estados onde o ofício é levado mais em conta. “Nos últimos dois anos, cresceram muitos espaços culturais no Brasil inteiro. E vai se fazer necessário esse olhar voltado para o montador. Porque a nossa função é exatamente ser invisível, mas, enquanto instituição, isso não faz sentido nenhum. A instituição deve reconhecer a montagem e a expografia, o montador de base que faz a exposição acontecer. Sem a mão de obra, a teoria inteira não serve de nada.”