Belém (PA) — A cidadania climática e o direito ao território foram tema da mesa Pontos de Cultura e Justiça Climática: saberes comunitários para o futuro do planeta – Rumo à 6ª Teia, realizada nesta quarta (12) em Belém (PA). O painel foi promovido pelo Ministério da Cultura no Pavilhão do Governo Federal na Green Zone, espaço da COP30 aberto à sociedade civil.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, disse que a intenção do MinC é fortalecer cada vez mais a cultura dos povos originários. “Temos pedido que as secretarias municipais executem o percentual de 10% da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) para os povos indígenas, para que esse dinheiro chegue nas pontas”.
Em relação à COP30, a ministra declarou que espera “que a COP entenda cada vez mais a experiência dos povos indígenas e originários e que a gente possa adaptar esses conhecimentos, porque aí sim a gente vai conseguir fazer alguma transformação da relação da humanidade com a natureza. É preciso haver uma mudança de cultura para que a gente possa sobreviver”.
Embora não esteja na pauta oficial das negociações da COP30, a cultura e a arte estão incluídas na agenda da ação da COP30. Os temas estão presentes em muitos espaços oficiais e paralelos do evento, como o Pavilhão Cultura + Entretenimento, na Blue Zone. Performances e trabalhos artísticos de artistas que trazem o meio ambiente e o clima como temática são parte da programação de diversos espaços na cidade de Belém.

Nesta edição da COP, os dias 12 e 13 de novembro trazem a cultura entre os temas abordados em salas paralelas. “Hoje, a COP30 destaca uma transição impulsionada pelas pessoas, na qual o trabalho, o aprendizado e a cultura moldam um futuro justo e resiliente”, diz o boletim matinal desta quarta, preparado pela equipe de Comunicação da COP30. Na Blue Zone, um dos eventos sediados nas salas temáticas aborda “como a cultura, a contação de histórias e as artes podem impulsionar a conscientização climática e promover mudanças de comportamento para um modo de vida sustentável”.
Já na Green Zone, na mesa realizada pelo Ministério da Cultura no Pavilhão Brasil, o destaque ficou com lideranças de pontos e pontões de cultura – organizações autônomas reconhecidas por meio da Política Nacional Cultura Viva –, que se preparam para um grande encontro que ocorrerá em março de 2026, em Aracruz (ES). O território sofre com impactos da mineração e da celulose na região. “O território é vizinho a Linhares, que foi impactado pelo rompimento da barragem. Os povos indígenas da região tiveram que reinventar o modo de viver, porque não tem mais pesca, não tem marisco, não tem mais plantio de mandioca”, lembrou Geovan da Silva, da Rede de Matriz Africana.
Para o paraense José Maria Reis, do Pontão de Cultura do Pará, é importante falar em cidadania climática. “Os conceitos de comunidade, de poética e de mobilização são fundamentais pra gente que atua na amazônia. Se a gente não tomar uma atitude agora de cobrar direitos e deveres climáticos, a nossa próxima geração não terá um planeta”.
A ativista da cultura alimentar Tainá Marajoara, do Ponto de Cultura Iacitata (PA), contou sobre os desafios que eles enfrentaram para que a alimentação indígena fosse incluída nos espaços oficiais da COP30. “Quando se fala de justiça climática, a gente tá falando da nossa própria soberania, e nós existimos por meio dos nossos alimentos, das nossas sementes, da nossa natureza. Estamos aqui pra dizer que a nossa cultura é viva e nossa alimentação é sem veneno. Nós tivemos que quebrar um edital para conseguir chegar na COP”, diz, explicando que conseguir participar da licitação foi um processo de luta para eles. “Se tá na nossa casa, se tá na nossa terra, vai comer que nem nós, vai respirar que nem nós. É como diz Ailton Krenak, ‘aprendam com a gente, aprendam a pisar suavemente com a gente’. Hoje, nós somos guardiães de culturas alimentares que estão ameaçadas. A nossa terra é sagrada, a nossa terra é mãe”.

Mestre Aderbal Ashogun, da Rede Afro Ambiental (RJ), cobrou mais direitos para os povos de matrizes africanas, incluindo uma cadeira no Conselho Nacional de Políticas Culturais. “Tem 33 anos que iniciamos esse debate na Eco-92 e até hoje não foi feito nada a não ser tirar a pauta do clima do sul global. A COP é a FIFA do meio ambiente e nós não estamos incluídos.” Ele também defendeu o conceito de “afroecologia” em contraponto à agroecologia e denunciou os ataques de grupos neopentecostais aos povos de matrizes africanas.
Já Silvany Euclênio, do Pontão de Cultura Ancestralidade Africana no Brasil, saudou a inclusão cada vez maior de pontos de cultura indígenas na Política Nacional Cultural Viva e destacou que os pontos de cultura em geral são territórios pulsantes que entrelaçam arte, ciência e conhecimento. “Eu vejo a sociedade adotando na retórica princípios fundamentais como o bem viver dos povos indígenas e o ubuntu das matrizes africanas, quando o fundamental é que adotem não na retórica, mas no seu modo de existir e na relação com o planeta.”
Patrimônio Cultural em foco
Os riscos da crise climática ao patrimônio cultural e histórico mundial são parte de eventos na Blue Zone nesta semana, área onde ocorrem as negociações oficiais da COP30. Em entrevista ao Nonada na Green zone nesta quarta, o presidente do Iphan, Leandro Grass falou sobre as expectativas da inclusão da temática nos debates e oficinas da COP30.
“A gente já tem uma mobilização anterior à própria COP, muito grande, de vários países, e o Brasil participa disso. A gente tem visto centros históricos que têm sofrido com eventos extremos, cidades inundadas, furacões e ciclones, além de ofícios tradicionais como o modo de fazer queijo artesanal que acabam sendo muito impactados pelas secas prolongadas e pela escassez hídrica.” Para o gestor, “a gente tem que posicionar o patrimônio dentro da agenda da economia verde, dentro da agenda da economia sustentável, mostrando que ele é uma ferramenta de cidadania e que precisa ser olhado também como uma saída.”
Recentemente, o Iphan lançou duas publicações voltadas à adaptação e mitigação de riscos de eventos extremos e aprendizados e experiências comunitárias. O livro “Memórias para o Futuro: Patrimônio Cultural, Educação Patrimonial e Mudanças Climáticas” traz uma reportagem do Nonada entre as referências bibliográficas.
À tarde, o Icomos BR realizou uma mesa sobre o assunto, com a presença de especialistas na área do patrimônio. Para Aline de Carvalho, do Comitê de Cultura do Pará, “a gente tem muitas riquezas e a gente quer que o mundo agora entenda o que a Amazônia tem para oferecer, principalmente através da oralidade. Quando falamos de patrimônio, também estamos falando de pessoas.”
Lucimara Letelier, vice-presidente do comitê de desenvolvimento sustentável do ICOM, falou sobre a campanha global de inclusão da cultura entre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (como ODS 19). “É a primeira vez numa COP que a gente tem a cultura dentro dos 30 objetivos do plano de ação da COP. E a gente quer a inclusão da cultura no próximo balanço ético global, vamos discutir isso na COP. A gente faz uma discussão política para que essa agenda esteja no centro da mesa”, explicou. Segundo Lucimara, “a agenda sul-sul influencia a agenda global do ICOM e pra gente, a justiça climática está integrada aos pontos de memória, pontos de cultura e à museologia quilombola”.
Ave Paulus, do Icomos Climate Action WG, citou diversos documentos produzidos por organizações e comunidades brasileiras. “Em 2020, o Icomos fez uma resolução sobre mudanças climáticas e a necessidade de preparar as comunidades locais, porque a crise climática é séria. A cultura sobrevive a tudo e isso nos dá esperança”, disse, destacando o documento do Iphan que traz os biomas no centro do mapeamento sobre a temática. “Quando falamos de patrimônio cultural, precisamos dizer que ele pertence às comunidades. Os direitos desses conhecimentos são das comunidades, o que quer dizer que as ações devem ser feitas em conjunto com as comunidades”, avaliou.