“Mais do que entretenimento”: saiba como a cultura estará presente nos espaços oficiais da COP30

Organizações se preparam para a COP30 em Belém e refletem sobre o papel da cultura na crise climática
Pavilhão do Brasil na COP29 (Foto: reprodução)

“Antes de transformar o mundo é preciso imaginar que ele pode ser outro, acho que esse é o papel da arte e da cultura, provocar a esperança a partir da imaginação.” Essa fala é de Jonaya de Castro, pesquisadora de arte e clima da Revista Febre, diretora de criatividade do Instituto Lamparina e do Baile na Terra, festival que acontece há quatro anos na cidade de São Paulo. Com a chegada da COP30, ela reflete sobre como esse espaço será uma oportunidade de conexão global tanto para o avanço interno do debate climático quanto para o andamento das grandes articulações que o financiamento climático necessita. 

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima acontece entre os dias 10 a 21 de novembro, em Belém (PA), e tem a previsão de receber mais de 50 mil pessoas de diferentes países. “Vamos ver muita coisa bonita que as organizações, os grupos e coletivos estão preparando para a COP. Acho que a COP30 vai ser sim uma oportunidade da cultura sensibilizar muita gente”, compartilha Jonaya.  

A poucos dias do início da conferência, coletivos e organizações culturais estão na reta final de planejamento para o evento. Entre os objetivos, estão destacar a cultura como uma importante ferramenta no combate às mudanças climáticas e incentivar a participação popular na pauta climática no Brasil. 

O uso da cultura como um meio para tratar do tema não é novidade, uma vez que a intersecção já tem sido discutida há alguns anos na própria conferência por meio do Pavilhão de Entretenimento + Cultura (no nome original de ‘Entertainment + Culture Pavilion’). Dessa vez, o pavilhão chega ao Brasil, onde tem feito um amplo trabalho incentivando organizações culturais locais a estarem presente nesse espaço. Confira aqui a programação do pavilhão, com 75 eventos estratégicos. Ainda assim, apenas pessoas credenciadas têm acesso à blue zone, local oficial da COP, onde será instalado o pavilhão.

Neste ano, o pavilhão acontece em parceria com o Climate Live, organização que tem o objetivo de engajar a sociedade por meio da música e conscientizar sobre os desafios enfrentados hoje pelas pessoas na linha de frente da emergência climática. Seu trabalho também busca pressionar líderes mundiais (políticos, econômicos e culturais) a tomarem medidas para combater a crise climática. A parceria promete destacar pesquisadores, especialistas, artistas e envolver comunidades em diversos projetos, além de promover uma série de apresentações artísticas. 

Gabriel Mendes, ativista brasileiro e coordenador do Climate Live Brasil, que atua com foco no fortalecimento das periferias urbanas, compartilha que o Pavilhão chega à COP30 para mostrar que cultura e clima não estão separados. Para ele, a cultura é uma ferramenta poderosa de engajamento, conscientização e mobilização para lidar com a ação climática, mas também é muito mais que isso, como reflete:

“Ela é parte central da luta pela justiça climática. Queremos que, ao colocar a cultura no centro da COP, o mundo perceba que a justiça climática depende do reconhecimento e da valorização dos saberes tradicionais, da força comunitária e das políticas de adaptação construídas nos territórios. É essa conexão entre o local e o global, entre ciência e ancestralidade, que pode realmente transformar o futuro do clima”, pontua Gabriel.

Gabriel, que é graduado em Ciências Sociais com especialização em Gestão de Projetos Culturais, destaca ainda que entre os principais objetivos desse espaço está a busca por soluções que surgem “nas quebradas, periferias, quilombos, aldeias e nos territórios tradicionais”. O gestor conta que o trabalho do pavilhão será voltado para o fortalecimento dessas identidades para empoderar a participação e inspirar ações concretas, conectando cultura, ciência e justiça climática. 

“A cultura que carregamos não é só festa ou arte: é memória, é resistência, é cuidado com a vida e com o clima. Belém é um território que pulsa cultura. Tudo ali  fala, o som, a dança e a fé. É a Amazônia viva se expressando, e isso tem um peso enorme pro Brasil e pro mundo. É dali que o Brasil e o mundo podem entender que a cultura não é só expressão, é forma de existir, resistir e cuidar da vida, que cultura é política, é sobrevivência e é futuro”, enfatiza.

A agenda da cultura na COP30

A interseção entre cultura e clima vai estar presente também em sessões da COP30. A “Cultura, patrimônio cultural e ação climática”, por exemplo, é tema de um dos grupos de ativação da COP30, que, segundo o governo federal, são “ grupos compostos por representantes de governos, sociedade civil, academia e setor privado que estão desenvolvendo planos de aceleração, que serão apresentados durante a conferência em Belém”. 

Na programação oficial dos grupos de ativação, chamada Agenda de Ação, o patrimônio e as indústrias criativas são o foco de uma sessão organizada pelas iniciativas Creatives por Climate, Climate Heritage Networks e European Climate Change Adaptation Conference no dia 11 de novembro, na blue zone. Já nos dias 14 e 20 de novembro, também na blue zone, estão agendadas sessões paralelas sobre soluções climáticas tradicionais/originárias e baseadas na cultura e sobre políticas culturais voltadas a soluções climáticas. 

Programação do Pavilhão Entretenimento + Cultura na COP29 (Foto: divulgação)

No dia 13 de novembro, no Pavilhão Brasil da Blue Zone, o Ministério da Cultura promove uma mesa-redonda reunindo detentores do patrimônio cultural, agentes de financiamento climático, gestores públicos e pesquisadores para discutir como o financiamento da adaptação climática pode fortalecer e salvaguardar o patrimônio cultural como bem público global. 

Para quem não conseguiu credenciamento, a green zone, ou zona verde, promete oficinas, painéis e apresentações artísticas abertas ao público. No dia 12 de novembro, o Ministério da Cultura promove uma mesa no Pavilhão Brasil da green zone. O painel, marcado para as 10h no auditório Jandaíra, terá como foco a relação dos pontos de cultura com a Justiça Climática e pode ser assistido pela sociedade civil. 

As expectativas em torno da pauta cultural aumentaram para a COP30, visto que na edição anterior do evento, pouco se avançou na discussão, como apontado em artigo traduzido pelo Nonada Jornalismo e escrito por Andrew Potts, membro do Comitê Diretor da Climate Heritage Network. Desde então, tem acontecido um grande esforço para a construção e permanência de uma agenda baseada no tema, principalmente para esta nova conferência. 

Durante a COP28 que aconteceu em Dubai em 2023, foi criado pelos governos do Brasil e dos Emirados Árabes Unidos o Grupo de Amigos pela Ação Climática Baseada na Cultura (GFCBCA),  voltado para destacar o protagonismo da cultura na ação climática. Composto por 54 países-membros, além de 25 organizações internacionais, o GFCBCA foi uma das primeiras ações do governo brasileiro voltadas para a inclusão da cultura nos debates sobre a crise climática e o meio ambiente. 

Em setembro, o grupo lançou, no Mondiacult 2025, a Declaração de Barcelona, documento que aponta os caminhos das principais metas para a conferência do clima. Segundo o documento, os países signatários comprometem-se a “avançar no desenvolvimento e implementação do Eixo 5 da Agenda de Ação da Presidência da COP 30, a saber, o Grupo de Ativação 19 – Cultura, Patrimônio Cultural e Ação Climática, que oferece uma oportunidade para acelerar a implementação de soluções relacionadas à cultura e ao patrimônio cultural”. Além disso, “acelerar a ação climática no setor cultural, buscando iniciativas que visem promover planos de adaptação para salvaguardar o patrimônio cultural tangível e imaterial” e “alavancar o importante papel que a cultura desempenha na informação”.

Reunião do Grupo de Amigos pela Ação Climática Baseada na Cultura no Mondiacult 2025 (Foto: Organização dos Estados Ibero-americanos/reprodução)

Na Conferência Pré-COP, que ocorreu em junho na cidade de Bonn, na Alemanha, as soluções climáticas baseadas na cultura e o patrimônio cultural foram abordados me uma mesa oficial, com a presença de organizações como Unesco e Icomos e com a Campeã de Juventude para o Clima da Presidência da COP30, Marcele Oliveira. A jovem ativistas é uma das principais vozes da sociedade civil brasileira a dar visibilidade para a temática, como contou o Nonada nesta reportagem.

A sociedade civil organizada também se mobiliza para a COP30, a exemplo de organizações nacionais, como a Outra Onda Conteúdo, e internacionais como a Julie’s Bicycle e a Climate Heritage Network. Uma das ações é a campanha global We Make Tomorrow, que tem o objetivo de incidir sobre as lideranças da COP30 para que a cultura  seja integrada ao segundo Balanço Global da UNFCCC – um passo anterior já conquistado é a inclusão da cultura no supracitado Grupo de Ativação 19.

Belém como o palco do mundo 

Mas afinal, como reunir tantas pautas, objetivos, desafios e sonhos em um mesmo lugar? A COP, com sua sigla pequena, ao longo dos anos foi se transformando e mudando, principalmente, conforme o lugar onde está localizada. Desta vez no Brasil, no Pará, em Belém, terra de Arraial do Pavulagem, Carimbó, Rock Doido e tantas outras manifestações culturais que causam ainda mais expectativa em torno do evento e de como a cultura será tratada. 

Para Jonaya, além das negociações e as formalidades, a conferência também será um espaço de conexão de lutas e de fortalecimento, onde qualquer pessoa de qualquer idade possa se sentir chamado para se conectar a coletivos ou grupos em busca de fazer parte de uma coletividade para mudança, como destaca:

“Esse sentimento de solidão e impotência que às vezes surge no dia a dia, e que a crise climática nos coloca, eu acho que a COP vai ser mais uma oportunidade de vermos que não estamos sozinhos e que tem muita gente fazendo muita coisa legal e diferente. É uma oportunidade de se pertencer a alguma coletividade porque essa sensação de impotência é uma onda tão grande, é uma coisa que você pensa “o que eu posso fazer?” mas que se a gente se juntar, conseguimos alterar o curso desse barco do planeta”, pontua. 

Obra de arte de Bonikta na Bienal das Amazônias em Belém, 2023 (Foto: Thaís Seganfredo/Nonada)

Para o avanço das negociações é importante que os diversos países venham para Belém e possam mudar o rumo da COP30, mas para além disso, é importante também que a população brasileira saiba como podem participar e transformar esse evento para algo com a cara do Brasil. Assim pensa Gabriel.  Para ele, a expectativa é que essa COP seja mais escuta e menos discurso. Para que o mundo entenda que justiça climática sempre anda acompanhada da justiça social, e que sem isso não tem como enfrentar o racismo ambiental e as desigualdades.

“A COP30 tem um peso diferente, porque ela acontece no Brasil, é uma oportunidade de colocar os nossos territórios no centro das decisões e mostrar que as soluções climáticas não vêm somente de grandes potências, e quando falo isso é questionando essa ideia de que só quem tem dinheiro, tecnologia e influência política pode “salvar o planeta”.  Mas as soluções verdadeiras também nascem dos territórios, das comunidades tradicionais e das periferias urbanas,” destaca.

A cultura como meio 

Que legado a COP deixará para o território? Esse é o principal questionamento dentro desse cenário novo de receber uma COP no Brasil, não tem como pensar em projetos, planejamentos e ações sem questionar: o que fica depois da COP?  É o que coletivos, organizações e movimentos têm se perguntado para entender como irão atuar também após o evento e de como isso também chegará ao seu território

Jonaya espera que essa grande articulação siga pelos próximos meses, dando o devido destaque para a emergência climática. Para ela, a esperança é que sejam meses de intensos debates na mídia, na imprensa, em novelas e nas redes sociais.

“O que eu desejo é que a COP se torne um grande festival de debate climático nacional, que Belém se coloque a falar no megafone para o mundo inteiro das pautas mais importantes. Sobre a defesa da Amazônia, do controle do desmatamento, que consigamos se conectar com a questão do petróleo não ser mais uma alternativa de energia, que o petróleo tem que ficar no chão e que a gente consiga usar esse megafone durante um tempo.” 

Já para Gabriel, as organizações brasileiras têm um papel fundamental e uma grande responsabilidade na integração dos saberes tradicionais e culturais nas políticas climáticas. Sendo  importante entender o papel das grandes organizações com maiores recursos e influência internacionais nesses espaços. “Decisões sobre mudanças climáticas são tomadas por especialistas, governos e organizações que muitas vezes não reconhecem nem valorizam os saberes tradicionais e locais”, diz.

“A cultura é tratada como ‘arte’ ou entretenimento, mas na verdade ela contém conhecimento prático, formas de adaptação e mitigação que poderiam orientar políticas públicas e ações globais”. Para Gabriel, a justiça climática depende de reconhecer, valorizar e integrar os saberes locais e tradicionais, “dando poder real para quem vive os efeitos das mudanças do clima todos os dias, e que também detém as respostas e soluções que o mundo procura.” 

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