Reconstruindo Marighella

No dia da Feira do Livro de Porto Alegre dedicado ao tema “História”, 6 de novembro, terça-feira, um dos destaques foi a conversa sobre um importante personagem da resistência política no Brasil ditatorial. Na Sala dos Jacarandás do Memorial do Rio Grande do Sul, o premiado jornalista Mário Magalhães apresentou seu mais recente livro, lançado pela Companhia das Letras, sobre a trajetória de Carlos Marighella (1911-1969), político, guerrilheiro e poeta brasileiro, um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura militar.

Estava prevista a participação no evento do jornalista Leonencio Nossa, autor de “Mata! : o Major Curió e as guerrilhas no Araguaia”, já que o tema da mesa foi “Ditadura, repressão e luta armada: Major Curió x Carlos Marighella”, porém, o convidado perdeu o seu voo para Porto Alegre e não conseguiu chegar a tempo. Quem conduziu o bate-papo com Magalhães foi Jair Kirschke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul.

Bate-papo com Mário Magalhães, autor da biografia de Carlos Marighella, foi conduzido por Jair Kirschke (Crédito: Divulgação/Feira do Livro POA)

Resultado de um invejável trabalho de investigação que durou nove anos – o autor entrevistou em torno de 250 pessoas e consultou mais de 600 documentos da Rússia, República Tcheca, Estados Unidos, Paraguai e Brasil – o livro “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, vem preencher uma lacuna na produção bibliográfica da história brasileira, que relegou ao segundo plano a atuação de Marighella, muito mais conhecido fora do Brasil do que por aqui. Ele não está nas cartilhas escolares, o que é grave segundo o jornalista-biógrafo: “é legítimo amar Marighella, assim como odiá-lo, mas ficar indiferente à sua existência, é complicado”, comentou.

A vida intensa do guerrilheiro rendeu um texto em forma de romance, com direito a passagens de drama, humor, aventura e paixão. Isso sem perder de vistas o trabalho jornalístico rigoroso de checagem – prova de tal esforço são as notas sobre fontes do livro, que totalizam em 2.580. A história é contada em 569 páginas, dentre as quais estão 170 de apêndices e 48 de imagens. O jornalista mostrou-se agradecido aos que colaboraram com sua produção diversas vezes ao longo de sua fala – alguns dos entrevistados estavam na plateia.

A biografia foi lançada pela Companhia das Letras (Crédito: Divulgação)

Apesar de ser carioca, desde o início Magalhães deixou clara a sua ligação com o Rio Grande do Sul, explicando o seu sotaque tão próximo do gaúcho – passou muito tempo da sua trajetória no estado. Puxando a conversa por esse viés, ele comentou que, mesmo Marighella sendo baiano (filho de um italiano com uma descendente de escravos), diversos co-protagonistas de sua história passaram por aqui. Getúlio Vargas, Luís Carlos Prestes e Leonel Brizola são apenas algumas das peças fundamentais para a narrativa.

Para se ter uma ideia, a cena final do livro, que o jornalista preferiu não explicar, apenas ressaltando a sua liricidade, passa-se em um balneário gaúcho, Pinhal, e envolve três personagens do sul: a ex-presa política Suzana Lisboa, que inclusive estava no bate-papo, Luiz Eurico Tejera Lisboa, o “Ico”, assassinado pela ditadura em 1972, e o irmão mais novo dele, na época criança e hoje conhecido músico, Nei Lisboa. Fica a curiosidade para a leitura.

Tomando como fio condutor a trajetória de um personagem importante, Magalhães reconstruiu também momentos tristes de histórias de vida de diferentes pessoas, que incluem formas de tortura e morte. A posição do jornalista quanto à relevância de um livro como esse é firme: “qualquer esforço de conhecer esse trecho do passado é válido, mas se não servir para fazer justiça, tem-se um desperdício”, explica. Em tempos de (finalmente) revisão de histórias de vítimas do regime militar pela Comissão da Verdade, cabe encarar o trabalho do jornalista para além do puro texto, como documento histórico fundamental para ações.

 

* Mário Magalhães ressaltou que 2012 está sendo um ano especial no que toca a memória sobre Carlos Marighella: além do seu livro, foi lançado recentemente documentário de  Isa Grinspum Ferraz, Marighella, e videoclipe dos Racionais MC’s premiado no VMB, da música Mil Faces De Um Homem Leal (Marighella). Caetano Veloso comentou com o jornalista que uma das músicas de seu novo CD, que será lançado em breve, é dedicada ao guerrilheiro.

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