Fotos: Fernando Halal
Muito se fala sobre a falta de integração entre o Brasil e os demais países da América Latina, especialmente no aspecto cultural. Na verdade, os hermanos até demonstram interesse pela arte que se produz em terras tupiniquins; nós é que não parecemos muito curiosos em relação ao que acontece do outro lado da fronteira. Com exceção de um Fito Páez ou um Jorge Drexler, poucos nomes conseguem de fato “pegar” por aqui. Por isso, surpreendeu positivamente a inusitada parceria entre Bidê ou Balde e os argentinos da banda Las Pastillas del Abuelo, em show realizado na última quarta-feira, 1° de julho, no Opinião.
Também foi surpreendente constatar que um ônibus lotado de fãs veio de Buenos Aires só para a primeira apresentação da história das Pastillas em Porto Alegre. Deu para perceber que os argentinos são tão fanáticos por música quanto por futebol: entoando cânticos e agitando bandeiras, pareciam verdadeiros “hinchas” (torcedores) de grandes clubes como Boca Juniors e River Plate.
Las Pastillas del Abuelo (ou “Os Comprimidos do Vovô”, como traduziu o vocalista Juán Germán Fernández) são um grupo renomado na Argentina, onde sempre faz shows lotados, muitos deles em locais de grande porte. Aqui, quase passaria batido, não fosse a parceria com a Bidê e a aclamação pelos já mencionados hinchas. Interagindo o tempo todo, esses ensandecidos fãs tiveram uma grande parcela de responsabilidade pelo êxito da apresentação, com direito a invasão do palco e gritos de “Soy Pastillero/Es un sentimento/No puedo parar”. Sem eles, com certeza a recepção às Pastillas teria sido um tanto mais fria.
O resto do público dividia as atenções entre a loucura que acontecia na pista e o que via no palco, sem grande entusiasmo. Nessas horas, o tal abismo cultural tornava-se algo quase palpável. As Pastillas misturam de tudo um pouco – do rock básico ao reggae, do candombe à chacarera, do ska ao jazz –, uma característica comum em grupos latinos, mas com poucos adeptos por estas paragens. Tem boas composições (“Tantas Escaleras”, “Cambios de Tiempo”, “Otra Vuelta de Tuerca”), mas, sinceramente, duvido que o septeto tenha angariado muitos fãs depois de sua passagem por Porto Alegre. Ao final do show, Rodrigo Pilla e Carlinhos Carneiro, da Bidê ou Balde, deram uma canja com os amigos, antecipando sua entrada no palco.
Animados pelo clima festivo, os anfitriões emendaram clássico atrás de clássico, começando por “Microondas” e passando por “Matelassê”, “Cores Bonitas”, “Melissa” e Bromélias”, entre outras. Mesmo sem entender muito, os hermanos seguiam agitando sem parar – obviamente, não tanto quanto no show das Pastillas, cujas letras sabiam de cor. No final, as duas bandas se misturaram novamente para uma homenagem a Gustavo Cerati, falecido líder do lendário Soda Stereo. A escolhida, é claro, foi “De Musica Ligera”, regravada pelos Paralamas do Sucesso como “De Música Ligeira e, depois, desnecessariamente, rebatizada pelo Capital Inicial como “À Sua Maneira”… Ainda deu tempo para “Blister in the Sun”, dos Violent Femmes.
A despeito de as duas bandas não terem muitas similaridades sonoras, é de se louvar esse intercâmbio, que já vinha ocorrendo com os brasileiros viajando para o resto do continente. A cada iniciativa dessas, a barreira cultural fica um pouco menor, e isso, sem dúvida, está acima de estilos ou preferências musicais.