Situação do mercado editorial é catastrófica, avaliam representantes do setor no RS

Thaís Seganfredo
Foto: Joel Vargas / PMPA

Números divulgados pela Nielsen e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) esta semana confirmam um cenário pessimista, que já era esperado pelo mercado editorial: o faturamento do setor no país caiu 47,6% em abril, deixando de vender R$60 milhões em comparação com os dados de março.

Não há dúvidas de que a situação se agravou com o novo coronavírus (Covid-19), mas os resultados do Painel do Varejo de Livros no Brasil são a consequência de um cenário que já apresentava grave crise. Até o momento, o mercado não encontra resposta do poder público para a criação de políticas públicas que possibilitem a recuperação do setor. Para os livreiros, a crise pode ser ainda maior, uma vez que o Painel monitora apenas as vendas das grandes redes, entre elas a Saraiva e a Livraria Cultura, ambas enfrentando recuperação judicial. Na última semana, a Justiça determinou à Saraiva a devolução dos livros que estavam em seu estoque às respectivas editoras.

No Rio Grande do Sul, ainda que não haja números específicos sobre o estado, entidades representativas avaliam com pessimismo as consequências da crise, uma vez que também o calendário de eventos, como a Festipoa Literária, teve de ser adiado. A Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) trabalha com dois possíveis cenários para a realização da 66ª Feira do Livro de Porto Alegre, que recebe todo ano mais de um milhão de visitantes e é reponsável por cerca de 200 mil livros vendidos anualmente no estado. “Estamos trabalhando com dois planos A e B, uma feira física como sempre ocorre e uma outra feira online, mas ainda é um estudo inicial de planejamento de programação, orçamentos e viabilidade. Não sabemos ao certo se será possível em novembro devido à aglomeração de pessoas, e certamente é impossível trabalhar com número limitado de pessoas no evento aberto ao público, na praça”, afirma o presidente da CRL, Isatir Bottin Filho.

O escritor Alexandre Brito, presidente da Associação Gaúcha de Escritores (Ages), avalia que a queda brusca no faturamento é catastrófica, especialmente para os escritores e as pequenas editoras. “Quanto às políticas públicas, “o problema é a letargia, os entraves são imensos tanto para pessoas físicas como para jurídicas”, diz. Para Luiz Maurício Azevedo, editor-executivo da Figura de Linguagem, “a queda de abril é apenas o começo de uma longa crise que atravessaremos no setor livreiro nos próximos dois anos. À medida que a situação econômica for se degradando – e ela vai se degradar terrivelmente – os reflexos nas vendas de livros ficarão cada vez maiores”, projeta.

Na última semana, diversas entidades representativas publicaram carta aberta à administração pública de Porto Alegre, defendendo auxílio emergencial aos profissionais do livro, suporte às empresas do setor, bem como às bibliotecas comunitárias e públicas, programa emergencial de renovação de acervos, criação de editais e o andamento do Projeto ‘Adote um escritor’.” “Os recursos advindos do Fumproarte (lei 7328/93) e do Funcultura (Lei 6.099/88) há anos não são depositados conforme a destinação legal prevista e equivalem a um montante considerável de aproximadamente 3 milhões de reais”, diz a carta, assinada pela Associação Gaúcha de Escritores (AGES), Associação Rio-Grandense de Bibliotecários (ARB), Beabah! – Bibliotecas Comunitárias do RS, Câmara Rio-grandense do Livro, Centro de Integração de Redes Sociais e Culturas Locais  – Cirandar, Clube dos Editores do RS e Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB10).

As entidades representativas lembram ainda da importância das bibliotecas públicas e comunitárias, especialmente para as comunidades periféricas da cidade. “Estes espaços de saber e de emancipação já antes da pandemia vinham sofrendo com cortes e contingenciamentos. Neste momento dramático, urge que seja dado o suporte e o apoio necessário para que prossigam com o seu trabalho dentro das comunidades”, afirmam.

Com relação às medidas que poderiam ser tomadas em âmbito estadual e municipal, Brito aponta a necessidade de prestigiar os escritores locais, com atenção para a produção periférica. “Já existem inúmeros exemplos de atividades, como saraus e debates online, que podem ser implementadas e remuneradas, de forma que alcance o escritor e a escritora. O poder público também tem que comprar esses produtos, fazer renovação de biblioteca. É um momento para fazer uma renovação de acervos”, destaca.

Já Azevedo defende a garantia de renda mínima para todos os trabalhadores da cultura, na medida em que “não vamos vencer o Covid-19 com água, açúcar e pensamento mágico”, afirma o editor. “Como isso dificilmente acontecerá, prevejo um cenário de muitas falências e demissões.  No âmbito regional, receio que prefeituras e o governo estadual não possam fazer muito”, lamenta.

 

Leia a íntegra da “Carta Aberta de Apoio à Área do Livro e da Leitura”

“O Grupo de Conselheiros da Sociedade Civil do Conselho Municipal do Livro e Leitura vem se manifestar publicamente acerca do grave quadro econômico gerado pela pandemia que assola o nosso país. Todos os segmentos da Cultura foram atingidos severamente pela crise econômica advinda da Covid-19, em particular, de forma gravíssima, a cadeia do livro: o setor criativo (escritores, ilustradores e programadores gráficos); o de mediação (bibliotecários e contadores de histórias) e o empresarial (editoras, livrarias e distribuidoras).

Os profissionais do livro, tal como os trabalhadores e empresários de outros setores da Cultura, sofrem com a abrupta interrupção das atividades e suas nefastas consequências. A situação é de colapso. O segmento, que já vinha sofrendo nos últimos anos com a recessão, agora enfrenta uma catástrofe. O Estado não deve permanecer omisso ou ser seletivo no auxílio aos diversos organismos que compõem o seu estrato econômico e social. Num momento de calamidade, é necessário, mais que nunca, a ação precípua do Estado – ação célere, responsável e isenta – para mitigar  a crise, reduzir os danos e  preservar garantias sociais  fundamentais. Diante deste gravíssimo quadro, a Administração Pública Municipal deve tomar providências e iniciativas que façam frente à penúria e à gravidade da situação a que a cadeia do livro está sujeita.

É importante lembrar que este segmento projeta a Capital como a principal “cidade leitora” do país, primeira a ter o Plano Municipal do Livro e Leitura construído de forma democrática, associando Porto Alegre aos melhores índices do IDH. Também realiza a “maior Feira do Livro a céu aberto da América Latina”, a Feira do Livro de Porto Alegre, evento celebrado aos quatro ventos e que parte para a sua edição de n° 66. Com estimados 1,3 milhões de visitantes e mais de 225 mil exemplares vendidos, representa importante impacto econômico e turístico para a cidade. Escritores, escritoras, ilustradores, ilustradoras, junto às editoras da cidade, pequenas e grandes, são responsáveis por trazerem para Porto Alegre os prêmios mais importantes do Brasil e das Américas, do “Cátedra Unesco de Leitura” ao “Prêmio Jabuti”.

As bibliotecas comunitárias, bem como as bibliotecas públicas municipais, desenvolvem um inestimável trabalho junto às comunidades periféricas empobrecidas. Levam não apenas o livro, este objeto mágico, mas toda uma ambiência em que todos os leitores podem dar asas à imaginação, ao sonho e assim vislumbrar perspectivas de um futuro melhor. Estes espaços de saber e de emancipação já antes da pandemia vinham sofrendo com cortes e contingenciamentos. Neste momento dramático, urge que seja dado o suporte e o apoio necessário para que prossigam com o seu trabalho dentro das comunidades.

Mais do que reconhecimento pelos serviços prestados, a cadeia do livro necessita de “socorro” através de aportes emergenciais por parte do Poder Público, com ações concretas, imediatas, que venham a fazer frente à diversidade de situações que se apresentam dentro do quadro econômico/social que a crise sanitária do coronavírus expôs.

Considerando:

  1. a) o estado de calamidade pública, decretado oficialmente;
  2. b) a realidade objetiva dos fatos, que exigem medidas de extrema urgência, e que atendam às necessidades básicas da pessoa humana com recursos mínimos para a sua sobrevivência;
  3. c) a importância que o livro e a leitura possuem para a saúde psicológica e emocional em momento de isolamento social,

os Conselheiros da Sociedade Civil do CMLL propugnam junto às autoridades competentes, tanto do Poder Executivo como do Poder Legislativo, num esforço de convergência, o acesso aos fundos disponíveis para a área da Cultura, bem como a sua utilização em benefício do setor.

Lembrando ainda que os recursos advindos do Fumproarte (lei 7328/93) e do Funcultura (Lei 6.099/88) há anos não são depositados conforme a destinação legal prevista e equivalem a um montante considerável de aproximadamente 3 milhões de reais. O momento atual mostra-se, portanto, propício para o cumprimento da Lei, possibilitando, desta forma, suporte para e execução de um plano municipal de apoio econômico para o setor da Cultura.

Para tanto propomos as seguintes ações em regime de urgência urgentíssima:

1) auxílio emergencial aos profissionais do livro;

2) suporte às empresas do setor do livro (Mei, Microempresa e outros regimes de Empresa); 3) suporte às bibliotecas comunitárias e públicas;

4) programa emergencial de renovação de acervos;

5) criação de editais;

6) andamento do Projeto “Adote um escritor”.

Sobre os itens 5 e 6: a exemplo do FAC Emergencial do Governo do Estado, propomos a criação de editais que atendam os profissionais do livro (autores, ilustradores, bibliotecários, contadores de história), que atinjam a pessoa física, os trabalhadores da cadeia do livro, como objetivo de remunerar a produção de atividades virtuais para estes profissionais do livro.

O “Adote um escritor” está entre os projetos com orçamento já aprovado para este ano. Nossa sugestão, portanto, é que o programa seja agilizado, de modo que as escolhas sejam realizadas remotamente pelas direções das escolas e as aquisições de livros, bem como os cachês aos escritores sejam efetivados antes das visitas, que possivelmente só serão realizadas após voltarmos a alguma normalidade. Autores participantes do Adote gravariam uma prévia em vídeo para a escola, apresentando-se aos alunos e falando brevemente sobre o seu trabalho literário. Isto justificaria a antecipação do pagamento do cachê.

As reivindicações apresentadas pelo setor do Livro e da Leitura alinham-se com as dos demais setores das Artes e da Cultura, na medida em que tais segmentos são os mais afetados e, ainda assim, constituem ferramentas inestimáveis no enfrentamento das medidas sociais determinadas para o controle da pandemia.

Diante deste quadro crítico e complexo, entendemos que a intervenção do Poder Público é inafastável e fundamental. E, posto isso, colocamo-nos à disposição para o diálogo e o auxílio na elaboração de medidas emergenciais para a manutenção dos trabalhadores e das trabalhadoras do livro e da leitura, bem como para a retomada das atividades culturais, que vão requerer uma atenção especial.

Porto Alegre, 30 de abril de 2020.”

 

Concordam com esta Carta e a assinam 

Entidades no Conselho

Associação Gaúcha de Escritores (AGES)
Associação Rio-Grandense de Bibliotecários (ARB)
Beabah! – Bibliotecas Comunitárias do RS
Câmara Rio-grandense do Livro
Centro de Integração de Redes Sociais e Culturas Locais  – Cirandar
Clube dos Editores do RS
Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB10)

Demais entidades e coletivos apoiadores

Academia Rio-grandense de Letras
Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ)
Associação dos Artistas em Quadrinhos – ASSAQ
Biblioteca Comunitária da Bom Jesus
Biblioteca Comunitária do Arquipélago
Biblioteca Comunitária Chocolatão
Biblioteca Comunitária Marli Medeiros
Ceprimoteca Biblioteca Comunitária
Cidade Poema
Colegiado Estadual do Livro, da Leitura e da Literatura
Confraria Reinações
Conselho Estadual de Cultura do RS
FestiPoa Literária
Frente Parlamentar Municipal de Incentivo à Leitura
(Câmara de Vereadores de Porto Alegre)
Frente Parlamentar Mista do Livro, da Leitura e da Escrita
(Senado/Câmara dos Deputados)
Fórum Permanente pela Cultura-RS
Gente de Palavra
Grupo de Pesquisa Revista Cacique (Uergs)
Instante Estante
Instituto de Leitura Quindim
Livraria Paulinas
Mulherio das Letras
Prefácio Consultoria Literária
Uniduniler todas as Letras
Viva e Deixe Viver

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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