Thiele Elissa/Fundação Bienal do Mercosul

Sem tensionamentos sociais, 13ª Bienal do Mercosul aposta em “arte inovadora”

Como falar de trauma em um dos países que mais mata pessoas trans no mundo? Como falar de sonho em um Brasil no qual o genocídio negro e indígena é política de Estado? Na 13ª Bienal do Mercosul, um dos maiores eventos de arte da América Latina, com sede em Porto Alegre, o tema “trauma, sonho e fuga” forma um complexo tripé que a curadoria buscou decifrar com obras de 99 artistas, dos quais cerca de 10 são negros e um é indígena – da etnia chilena mapuche. 

“A prática curatorial nasce da colocação de um problema sem resposta  ao qual artistas e público respondem preenchendo lacunas ou arrumando as cartas de um baralho bem misturado. O que surge é o retrato de um momento; a latência de um jogo de adivinhação, búzios, o ifá que traduz os vazios não ditos, porém percebidos”, diz o texto curatorial. Nos espaços principais da Bienal, no entanto, o ifá, oráculo iorubá, surge apenas como uma palavra no papel. 

Se nas últimas edições a Bienal construiu reflexões sobre os feminismos (2020) e as relações coloniais e decoloniais entre América, África e Europa (2018), neste ano os marcadores sociais tão presentes no cenário da arte no Brasil e no mundo contemporâneo – a exemplo da Documenta 15 e da Bienal de Veneza – estão ausentes da proposta curatorial. Ainda assim, é possível encontrar o Brasil nas brechas, nas obras de alguns artistas como Panmela Castro e Felippe Moraes.

Com visitação aberta e gratuita em dez espaços artísticos públicos e privados da cidade, a Bienal também traz uma novidade este ano: o visitante pode aproveitar para comprar produtos com o tema da edição. Essa proposta de vender canecas inspiradas no trauma parece adequada ao vocabulário da curadoria de Marcello Dantas, que apresenta propostas bastante valorizadas no empreendedorismo: “As ideias de disrupção, de experiência sensorial e reflexiva, e inovação norteiam e embasam a seleção de obras feita pela curadoria”, diz o texto de apresentação.

O conceito de inovação que fundamenta essa edição é a última moda em Porto Alegre. A palavra está em movimentos importantes que têm acontecido na cidade nos últimos meses, a exemplo do Instituto Caldeira, novo “hub de inovação”, e do South Summit, um dos maiores eventos de inovação do mundo, que teve uma edição na capital gaúcha no início do ano. A Bienal se integra nessa poeira empreendedora que paira sobre a cidade, como se a arte também precisasse fazer sentido economicamente para justificar a continuidade do evento.

Transposto para a arte, esse conceito aparece de forma mais nítida no Caldeira e também no Farol Santander (que há exatos cinco anos censurou a exposição Queermuseu: cartografias da Diferença na Arte Brasileira). No espaço, estão algumas das muitas instalações instagramáveis da edição. As principais são do artista Rafael Lozano-Hemmer, que faz um trabalho de arte baseado na ciência e no corpo. Outra obra, de Edson Pavoni, será inclusive enviada ao espaço com a ajuda do Space X. 

Se o objetivo era atrair um público amplo que se interessasse pelas instalações e pelas obras interativas, a Bienal 13 está sendo muito bem sucedida.

O Nonada selecionou algumas obras de artistas presentes na edição, que trazem questões centrais desta Bienal, como o luto, a ciência e a tecnologia. Confira aqui.

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Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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