Arthur Schneider*
O cantor e compositor Madyer Fraga iniciou sua paixão pela cultura Hip-Hop por meio das batalhas de rap que aconteciam no centro de Porto Alegre. Ele participou da criação da Batalha do Mercado, o encontro de hip-hop mais tradicional da cidade
O rapper conta que as batalhas tiveram um papel extremamente importante em sua vida, pois o auxiliaram no amadurecimento e desenvolvimento como pessoa. Também lhe revelaram uma forma de conseguir expressar suas opiniões e sentimentos por meio das rimas.
Atualmente, Madyer tem 25 anos e vive no Rio de Janeiro, onde divide suas horas de trabalho entre uma loja de roupas e a Paizão Records, produtora do ex-BBB Babu Santana. Madyer cria rimas, poemas, beats e, nas suas músicas, busca incluir a vivência do dia a dia, o que está acontecendo no mundo e expressar seus sentimentos. Confira a entrevista na íntegra:
O que te motivou a começar a cantar Rap?
Madyer Fraga – O primeiro encantamento foi quando morei na Zona Norte. Eu tinha por volta de uns 11 anos de idade, acredito, e na Zona Norte tem o evento “Quadra só rap”. Era um ritmo que eu gostava, que estava dentro da minha realidade. Escutava no rádio, trocando ideias com os amigos, ou até algum familiar que poderia ter escutado algum momento. Virou uma chave entre me encantar e querer começar a fazer. Esse contato com a “Quadra só rap”, o bairro, as pessoas que moram ali, tinha muita gente que era meu vizinho naquela multidão, e eu pensei: “Olha que da hora!”. Isso movimentava pessoas, era bom de assistir, tudo foi a partir daí. Depois disso, veio o contato com freestyle, poesia, e aí eu fui me desenvolvendo ao longo do tempo, mas acho que o querer fazer partiu daí, quando criança mesmo, ao ver esse evento.
Como era participar da organização da Batalha do Mercado?
Madyer Fraga – Era muito importante, eu ainda sigo de maneira on-line hoje, não tão ativo, por conta de não conseguir acompanhar tanto. Mas foi também uma virada de chave importante, porque eu começo na Batalha do Mercado como MC, e batalhando ali, eu fui além, encontrei um ponto de partida para minhas ideias de pertencimento, de autoestima também, me sentir ouvido, foi muito importante, porque quando a gente é novo, a gente não é escutado por diversas vezes, então ali fiz vários amigos. A partir daquilo ali tive aprendizados, fui um MC e levei isso para a vida, sou muito grato à Batalha do Mercado! Eu pude ver esse desenvolvimento ao longo do tempo, do MC para organizador, também produtor cultural, agora na pandemia a gente ganhou a Lei Aldir Blanc, a gente produziu lives com todos os elementos do Hip-Hop, com DJ, com big girl, com MC. Então, poder trazer um pouquinho do que eu aprendi para os outros, transmitir isso e fazer ficar cada vez mais vivo, é muito gratificante.
Mas você preferia quando participava como MC ou depois só organizando?
Madyer Fraga – Não, não tinha uma preferência em si, porque eu entendo que tudo tem um momento. Por exemplo, quando era MC era meu momento de ser MC, me desenvolver. Quando entendi que não era mais o meu momento, comecei a focar nas músicas mesmo, a gravar, ir para estúdio, executar esse trabalho de outra forma, então eu saí e abri espaço também para o pessoal mais novo poder entrar.
Por que você escolheu ir para o Rio de Janeiro?
Madyer Fraga – Eu já tinha a ideia de ir para o Rio de Janeiro quando eu comecei a fazer rap, a batalhar. Via, ao conversar com outros MCs, o quanto surgia de oportunidades aqui [no Rio] e o quanto a nossa cidade [Porto Alegre] não estava nesse ritmo. Então, eu fui entendendo cada vez mais, amadurecendo, e chegou um momento que vi que para minha arte se popularizar nacionalmente, eu precisava me mudar. Acho que é isso que a Elis Regina fez lá atrás, as pessoas fazem também agora. Tem quem saiu de Pelotas e foi para São Paulo, por exemplo, onde o mercado gira de outra forma. Tenho 10 anos de rap, eu tô aqui há 8 meses, as oportunidades surgem. Penso que, se eu trabalhar na mesma proporção, em menos tempo, eu posso já estar colhendo frutos maiores. Porque é isso mesmo: a cidade gira em torno de outro ritmo e aqui você tem mais pessoas vivendo disso, vivendo do rap.
Quais são seus planos para o futuro de sua carreira?
Madyer Fraga – Os próximos passos da carreira são voltados a ganhar uma proporção nacional. E fortalecer no sentido de viver diretamente da minha arte. Hoje eu não consigo. Eu trabalho na Void aqui de Botafogo como vendedor, em busca de uma renda fixa, então eu quero viver da minha arte diretamente, não indiretamente. Ao mesmo tempo, eu penso muito em abrir um centro futuramente musical, para trabalhar da forma que eu acredito, com os artistas que eu acredito, com o ritmo que eu possa colocar nesses trabalhos. Porque hoje, o trabalho independente que faço, eu acabei me desenvolvendo em diversas áreas pela necessidade, então tenho que ser roteirista, tenho que ir além de MC e ser produtor, lidando com essas diversas frentes. Penso que futuramente gostaria de ter um centro musical, que lide com essas diversas frentes. Nesse centro musical, eu gostaria também de ter um trabalho psicológico e atendimento dentro dele, não sei qual seria esse resultado. Penso muito que a gente tem que olhar para a saúde mental dos artistas e, principalmente, de artistas que estão no anonimato, que de uma hora para outra, entram em evidência. Porque o psicológico, ele mexe muito, eu vivi isso de certa forma, numa proporção muito menor, muito menor mesmo, mas eu posso dizer que mexe com o psicológico. Você não é ninguém, está na sombra e, do nada, você ganha atenção e lugar de fala e potencialização para sua pessoa.
Qual a importância das batalhas na tua vida?
Madyer Fraga – Nas batalhas eu consegui desenvolver uma parada que até eu fiquei surpreso. A batalha foi uma escola pra mim, em diversos sentidos. Em lidar com o público, desenvolver a minha oratória, lidar com as situações adversas que acontecem na batalha também, porque é uma batalha no centro da cidade, então a gente lidava com pessoas em situação de rua e alcoólicos, com diversas situações que você vai tendo que ter um jogo de cintura, também lidar com a derrota. Porque sendo MC nem sempre você é campeão. Eu sabia lidar com aquela frustração momentânea e pegar aquilo como motivação para o próximo mês estar ali novamente, executando meu freestyle da melhor forma. Então foi um ensinamento que eu levo pra vida.
Como é o seu processo de criação das músicas?
Madyer Fraga – O processo de criação é bem maluco, porque eu não tenho uma fórmula certa. Eu posso te dizer que estou sempre escrevendo, seja anotando uma palavra, uma frase, uma ideia, estou sempre escrevendo. E toda hora para mim é hora, porque, como eu disse, eu não vivo diretamente da minha arte, então já trabalhei em diversos lugares e eu sempre adaptei a minha rotina com a minha arte. Então às vezes é indo dentro do ônibus, dentro do metrô, dentro do trem, ou às vezes no intervalo do trabalho, eu estou ali escrevendo algo, ouvindo uma batida, ou no meio do trabalho mesmo troco ideia com alguém. Mas é um processo, o processo de escrita é mais aberto, não tem uma rotina. No estúdio, quando vou gravar, eu gosto de ouvir bastante a instrumental antes, entender o sentimento que quero passar nela, entender o meu tom de voz, entender como fazer aquilo. Penso em todos os detalhes para dar a melhor forma. Além das músicas, eu também crio poemas, crio os beats também, já lancei uma beat deep, que é um CD só de beat e, cara, eu gosto disso, de me desenvolver assim, de várias formas. E penso em voltar a fazer teatro.
O que você busca expressar com suas músicas e rimas?
Madyer Fraga – Eu busco expressar sentimentos, sejam eles dos mais diversos, sejam de amor, de pensamento, de raiva. E também eu gosto de expressar a realidade. Acho que a gente não tem que ficar só preso nisso, o rap chega num nível hoje que a gente pode falar de outras coisas além da realidade, porque o rap começa muito debatendo e falando sobre a realidade e hoje está cada vez mais falando sobre tudo. Isso é importante também porque lida com entretenimento. Mas eu no meu corre não consigo falar sobre a realidade, sobre o fato de que hoje no Brasil tem pais de família que não têm nem faculdade e sabem fazer contábeis tão bem quanto o ministro, porque sustentar uma família com salário mínimo é uma missão muito difícil. O fato de estar trabalhando e estar vendo as coisas que estão acontecendo, o momento político que a gente vive, acho que a gente não pode se ausentar dessas coisas e eu tento nunca me ausentar também. E hoje eu vejo também a necessidade da gente quebrar essas barreiras geográficas que acontecem.
Como você chegou a trabalhar com a Paizão Records?
Madyer Fraga – Foi meio que coisa do destino, pois eu conheci o Babu no final de 2020 para 2021, quando eu fiz uma viagem para o Rio de Janeiro. Eu tirei férias do trabalho, vim conhecer e foi tudo novo, foi a primeira vez que peguei avião. E, cara, deu o acaso que através de uma amiga conheci o Babu, a gente tem uma sintonia muito da hora, virou amigo também para caramba, ele falou do projeto da Paizão, que estava começando, o que ele queria e tal. Então, quando eu volto para Porta Alegre com essa ideia, eles mandam mensagem depois de um tempo falando “E aí, vamos fazer mesmo?”. Conheci o Babu um dia, virou amigo, eu fiz um churrasco na casa do Babu, de uma parada muito maluca, de zero a cem muito rápido. E com isso, a gente virou muito amigo e começou a gravar. Me mudar para o Rio de Janeiro partiu muito mais de mim também, porque eu vi a necessidade de estar próximo aos projetos, potencializando o que eu venho desenvolvendo. Mas é muito bom estar aqui, perto das coisas também, perto da Paizão, e agora a gente tocou no Rap In Cena, e foi muito da hora o contato com a cidade, com as pessoas.
Como está sendo a experiência de viver no Rio de Janeiro?
Madyer Fraga – Estou curtindo, embora as dificuldades surjam, porque é uma metrópole, é muita coisa, são várias situações, é muita gente, o Rio de Janeiro é muito grande, são várias realidades. Hoje eu estou morando em uma favela da Zona Sul, que é o Vidigal, então são adaptações, até pela minha realidade, pois venho de uma realidade humilde. Então é isso, eu estou gostando pra caramba, voltar para Porto Alegre eu não volto para morar, volto só para visitar os amigos e familiares que estão aí, ou para fazer show.
Como o processo do dia a dia acaba se envolvendo com as suas criações?
Madyer Fraga – Eu vou me adaptando à rotina. Acredito que eu seja arte o tempo todo, mas também com os pés no chão, entendendo que nem sempre a gente está em cima do palco, então na vida a gente também tem que ter humildade, pé no chão. Não dá para deixar o ego tomar conta, a ponto de achar que a gente é artista e tal. Principalmente artista, a gente também é ser humano, a gente é várias coisas. Não podemos esquecer disso.
Quais são as tuas influências na criação das músicas?
Madyer Fraga – Irmão, eu sou muito fã dos meus amigos, gosto muito do som do Nego Joca, participei do disco dele, fora a participação, é um cara que eu escuto direto. Gosto muito do Zudizilla também, do que a Flora Matos desenvolve, do Dom L, acho muito cirúrgico e necessário. Gosto da Crystal também e do Neil, é um rapper de São Paulo também, tem feat com a Crystal, Tashi Trace, assim, essa rapaziada, tem outros, mas é essa rapaziada que me influencia de diversas maneiras.
E quais foram as suas inspirações no início de sua carreira?
Madyer Fraga – Cara, deixa eu lembrar, gostava muito do Rashid e Projota, hoje eu continuo escutando muito Emicida, as atuais dele nem tanto, escuto mais as antigas, e o Projota é um cara que eu não escuto mais. O Cone Crew também foi um grupo que eu gostei, que hoje é difícil de ouvir. Com o tempo a gente vai mudando os gostos.
*Estudante de Jornalismo da Unisinos. Essa entrevista é uma parceria do Nonada com a Beta Redação, portal experimental do curso de Jornalismo da Unisinos, e foi realizada sob supervisão dos professores Débora Lapa Gadret e Felipe Boff.
