Joanna Lira/Ministério da Cultura

Execução da Lei Paulo Gustavo gera dúvidas no setor cultural

A execução da Lei Paulo Gustavo em alguns estados e municípios tem sido questionada por trabalhadores do setor cultural. Aprovada em março de 2022 como lei emergencial, a Lei Paulo Gustavo começou a ser executada nos estados e municípios na metade de 2023. Ao todo, são R$ 3,8 bilhões voltados majoritariamente ao setor audiovisual. 

No primeiro semestre do ano, o governo se dedicou a regulamentar a lei a partir de diálogo com as esferas municipal e estadual. Em julho, todos os estados mais o Distrito Federal e os 5.467 municípios habilitados passaram a receber os recursos e lançar os editais para selecionar as empresas, organizações e profissionais que serão contemplados. Desde então, trabalhadores da cultura têm levantado dúvidas sobre a execução da lei e as regras para concorrer aos recursos. 

Uma das principais questões é relativa aos limites fiscais dos Microempreendedores Individuais (MEIs), nos casos em que editais superam o teto de faturamento de R$81 mil para essa modalidade de empresa. O Nonada Jornalismo identificou artistas que desistiram de concorrer aos editais porque os valores ultrapassam o teto permitido pela Receita Federal. 

O produtor cultural Zé Renato aponta que a questão gera insegurança jurídica. “Falando especificamente da questão da MEI, o meu entendimento é que falta uma legislação, uma instrução normativa específica da Receita Federal, que nos dê garantias jurídicas e fiscais de que não há problemas de utilização de MEIs em projetos acima de 81 mil reais, que seria o teto da MEI”, avalia. Ele conta que pediu a seu contador para buscar uma resposta junto à Receita Federal, mas ainda não obteve retorno.

Segundo o Ministério da Cultura em resposta ao Nonada, a incidência de imposto de renda varia conforme a modalidade das chamadas públicas. “Em editais de premiação, por exemplo, em regra, incide o referido imposto e é necessário declarar. Já nos editais de fomento à execução de ações culturais ou apoio a espaços culturais não há incidência do imposto de renda”.

O MinC também recomenda que cada empresa consulte um contador  “para verificar se é preciso declarar como ‘rendimentos não tributáveis’”. Com relação ao MEIs, a resposta é que eles podem participar da concorrência “desde que os valores e regras sejam compatíveis com as leis que regem os microempreendedores individuais.”

Já a Confederação Nacional dos Municípios informa que, segundo estipula a lei, “os editais devem declarar se haverá ou não incidência de tributos, respeitando as legislações locais e nacional que regem o tema”. No entanto, alguns editais observados pela reportagem não especificaram a incidência dos tributos. 

Limitações como a necessidade de apresentar certidão negativa de débitos fiscais também são questionadas pelos artistas. Segundo a seção de perguntas e respostas do site da Lei no canal oficial do MinC, a lei não especifica a necessidade da certidão, e a decisão de exigir ou não o documento fica com cada estado ou município. “Um recurso emergencial que por muito tempo estamos aguardando, temos ainda que nos preocupar com certidões sabendo que o setor cultural foi um dos mais prejudicados”, lamenta um artista de Pernambuco. 

“Tenho visto em vários municípios exigindo aquelas certidões negativas que muito nos perturbaram na Lei Aldir Blanc 1. Prevejo um grande número de devolução de recursos para os Estados redistribuírem. Lamentável, em se tratando de uma lei ainda emergencial”, aponta um trabalhador da cultura de São Paulo em um dos grupos de discussão sobre a lei nas redes sociais. 

Para Zé Renato, o setor cultural, em situação de normalidade, deve seguir as regras fiscais como os demais setores do mercado. “Quando nós, no setor cultural, vemos um empreiteiro, construção de obras, se o cara está com certidão negativa, a gente não acha ruim que ele contrate de novo com o governo?”, opina, completando que uma situação emergencial, no entanto, poderia ser entendida como situação de excepcionalidade pelos estados e municípios. 

Limitações e prazos apertados

A linguagem difícil dos editais somada à lista de documentações pedidas também têm provocado questões sobre o prazo que estados têm dedicado às inscrições dos artistas. Em Pernambuco, o governo aumentou o prazo de 12 dias após críticas dos trabalhadores nas redes, entre eles a escritora Cida Pedrosa. “É inadmissível o prazo estipulado pelo @governope, para a entrega dos projetos da Lei Paulo Gustavo. A Secretaria de Cultura precisa se posicionar e garantir que as e os trabalhadores possam ter tempo hábil”.

Em São Paulo, os editais lançados no início de setembro pelo governo do estado limitam a concorrência a pessoas jurídicas que comprovem sede há pelo menos cinco anos, o que exclui empresas e organizações do Terceiro Setor iniciantes ou com menor tempo de atividade.

Outro fato levantado é o lançamento de editais em alguns estados como o Rio Grande do Sul, voltados apenas para pessoas jurídicas, excluindo pessoas físicas. “Como vocês vão fazer circular o dinheiro da cultura sem pensar em quem produz de maneira autônoma e independente e sequer tem condições de pagar a taxa mensal de MEI?”, pergunta uma artista de Porto Alegre em um post nas redes sociais. 

A Lei Paulo Gustavo foi aprovada em julho de 2022 como uma lei de caráter emergencial, após meses de negociação entre os parlamentares, ainda no contexto da pandemia de Covid-19. A inclusão de pessoas físicas nos editais está prevista no texto da lei, que aponta que a execução dos recursos deve ser realizada de forma descentralizada e participativa. 

O documento diz ainda que “no caso de grupos vulneráveis, de pessoas que desenvolvem atividades técnicas e para o setor de culturas populares e tradicionais, o ente da Federação deverá realizar busca ativa de beneficiários, e as propostas oriundas desses grupos poderão ser apresentadas por meio oral, registradas em meio audiovisual e reduzidas a termo pelo órgão responsável pelo instrumento de seleção.” 

A boa notícia é que a Lei Paulo Gustavo prevê a obrigatoriedade de ações afirmativas para pessoas negras e indígenas. O Ministério da Cultura destaca que os candidatos e candidatas às cotas também devem ser considerados na ampla concorrência. “O/a proponente que concorrer pela reserva de vagas para pessoas negras ou indígenas, deverá ser considerado, de maneira concomitante, nas vagas de ampla concorrência”, explica o MinC.

O governo também mantém um canal de atendimento para receber manifestações sobre a execução da Lei Paulo Gustavo nos estados e municípios. As mensagens estão sendo recebidas pelo email lpg@cultura.gov.br.

Confira as respostas do Ministério da Cultura:

1. Os recursos recebidos por pessoas jurídicas precisam ser declarados à Receita Federal? É preciso emitir nota fiscal? No caso dos MEIs, o limite anual é de R$80 mil, no entanto temos visto editais voltados para PJ em que os valores ultrapassam esse limite. Como o MEI pode proceder nesses casos?

A incidência de imposto de renda depende da modalidade de edital. Em editais de premiação, por exemplo, em regra, incide o referido imposto e é necessário declarar. Já nos editais de fomento à execução de ações culturais ou apoio a espaços culturais não há incidência do imposto de renda. Contudo, neste último caso, recomenda-se consultar um contador para verificar se é preciso declarar como “rendimentos não tributáveis”

O agente cultural que recebe recursos nos editais de fomento não precisa emitir nota fiscal ao município em razão desse recebimento, pois não se trata de contratação de serviços.

O MEI pode participar dos editais desde que os valores e regras sejam compatíveis com as leis que regem os microempreendedores individuais.

Por fim, quando é um projeto, o proponente beneficiado vai precisar das notas fiscais de cada contratação que ele realizar. Aí o agente cultural tem que pedir a nota fiscal, sim.

2. Os editais podem ser voltados para pessoas físicas ou apenas jurídicas?

Pessoas físicas, MEI e pessoas jurídicas da área da cultura podem concorrer aos Editais com recursos da Lei Paulo Gustavo.

3. Alguns editais têm sofrido críticas por prazos muito curtos de inscrição. O MinC tem recomendação de quanto tempo a etapa de inscrições dos editais deve ter?

Não está prevista em lei  a atribuição de analisar previamente os editais da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195, de 08 de julho de 2022) lançados por estados e municípios. A legislação também não prevê prazo para inscrições nas chamadas públicas.

No entanto, um dos objetivos mais importantes da Lei Paulo Gustavo é garantir formas de inclusão e democratização do acesso aos investimentos destinados pelo Ministério da Cultura ao setor cultural. Por isso, o MinC defende e recomenda que as ações e prazos para efetivação da Lei sejam pactuados com a sociedade civil, conselhos, gestores, trabalhadores e fazedores de cultura. A intenção é permitir que os setores mais afetados pela pandemia de Covid-19, para quem a Lei se destina, possam usufruir do apoio aos projetos das mais diferentes expressões culturais e artísticas, sem prejuízo do calendário de execução.

4. No caso dos editais com reserva de vagas, quem se declarar candidate às reservas concorre também na ampla concorrência?

Sim, o/a proponente que concorrer pela reserva de vagas para pessoas negras ou indígenas, deverá ser considerado, de maneira concomitante, nas vagas de ampla concorrência. A equipe do Ministério elaborou um material de orientação sobre o tema: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-paulo-gustavo/central-de-conteudo/guia_lpg_acoesafirmativas_acessibilidade.pdf 

5. O MinC tem um canal para receber denúncias sobre problemas na execução da lei? Essas informações são públicas?

O canal para manifestações é a Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação – Fala.Br. Lá, a pessoa deverá indicar o destinatário, no caso o Ministério da Cultura, no momento do envio de sua manifestação. Para dúvidas sobre a Lei Paulo Gustavo, o canal de atendimento é lpg@cultura.gov.br.

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Repórter e fotógrafa. Escreve prioritariamente sobre cultura e meio ambiente, culturas populares e educação
Nortista vivendo no sul. Escreve preferencialmente sobre políticas culturais, culturas populares, memória e patrimônio.
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