Ponto Final, Ponto Seguido, de Uýra (Foto: divulgação)

Terra como matéria: Conheça obras artísticas que brotam

Os artistas que têm a terra como matéria, quase que naturalmente, têm o tempo como parceiro de criação. É o milho que rompe o solo em sua própria hora, os fungos que adentram tecidos suspensos, as camadas de terra que brotam durante a exposição e a árvore de barro que se assenta no cubo branco. Artistas como Denilson Baniwa, Sallisa Rosa e Uýra dissolvem as barreiras entre humano e não-humano em seus trabalhos artísticos, alertando sobre urgências globais

Nesta Curadoria, reunimos obras de artistas, em sua maioria brasileiros, que criam obras vivas, instalações que brotam. Os pontos de contato entre eles e elas são muitos, mas destaca-se a natureza coletiva de suas criações: não trabalham de forma individual, mas em colaboração com as plantas, os fungos, matérias orgânicas e entidades espirituais. 

A impermanência também é a característica que costura as obras, pois tal qual uma performance, cada instante é único para quem vê. Quem visitou a 35ª Bienal de São Paulo nos primeiros dias viu uma porção de terra com pequenos brotos na parte externa do Pavilhão. Já o público que visitar os dias finais da mostra, poderá ver Kaá, de Denilson Baniwa, pronta para colheita. Dia 9 de dezembro, penúltimo dia de Coreografias do Impossível, o público poderá degustar o milho plantado e colhido dentro de uma exposição de arte. 

Confira abaixo a lista:

Kaá, de Denilson Baniwa

Plantar, consagrar, e colher. A obra apresentada por Denilson Baniwa na 35ª Bienal é uma colaboração com a terra e com artistas indígenas. Na Praça das Bandeiras, parte externa do Pavilhão da Bienal, está ‘Kaá’: uma plantação de milho originário, cultivada pelo artista em parceria com liderança indígena Jerá Guarani, onde é possível ver os diferentes estágios temporais do grão. Em uma das atividades durante a exposição, o artista, com o apoio da aldeia Guarani Mbyá – Tenondé Porã, semeou milho na Praça das Bandeiras do Pavilhão da Bienal. A instalação convida-nos a presenciar as diferentes etapas temporais do cultivo do grão, e integra o conjunto de trabalhos que o artista traz para a mostra. 

Na aldeia Tenondé Porã, milhos secos são colhidos e levados para a ‘opy’ [casa de reza em Guarani Mbyá], onde recebem energias de cantorias para alegrar os espíritos das crianças e fortalecer a próxima colheita, conforme conta a educadora e líder indígena Jerá Guarani. A proposição de Baniwa é uma sensibilização e provocação ao jurua, os não indígenas guarani, de que precisamos viver de modo não devastador.   

“Ver as plantas reagindo aos pequenos raios de sol me dá esperança”, diz o artista em uma coluna do site Itaú Cultural em 2020. Para ele, o encanto está na permanência da vida em meio a situações adversas e complexas, como a vida na cidade. “Como uma planta pode crescer e florescer em uma cidade tão caótica e inóspita para a vida natural?”, questiona. “Em dias bem nublados e chuvosos, sinto falta do sol; sinto falta de ver minhas plantas crescerem. Quando o sol apareceu e vi minhas plantas voltarem a se tornar bem verdes, imaginei-as com flores. Isso me deixa bem sensível e emocionado.” 

Outres, de Daniel Lie 

Em sua prática artística, Daniel Lie conta com a colaboração de parcerias a quem elu chama “além-de-humanes”: bactérias, fungos, plantas, animais, minerais, forças invisíveis, ancestrais e seres impossíveis de nomear. Em uma instalação que lembra redes de dormir feitas de terra, vemos os brotos que se espalham. Sentimos o cheiro da terra molhada, de solo orgânico vivo e bem cuidado. Ao propor a criação de ambientes e temporalidades específicas em espaços expositivos, busca possibilitar às pessoas humanas, por meio de nossos canais multissensoriais, um lugar de experimentação e de meditação.

Lie sugere a expansão do entendimento de ecossistema ao questionar o “cistema” hegemônico, as binariedades, e a ótica a partir da qual a humanidade é hierarquicamente entendida como sendo o centro. No projeto apresentado para a 35ª Bienal de São Paulo, o protagonismo é além-de-humane: com o passar do tempo, diferentes cheiros e mudanças nos aspectos físicos da obra se mostram presentes, estabelecendo um diálogo e uma relação entre essas existências, os seres invisíveis que habitam o Parque Ibirapuera, o Pavilhão da Bienal, e nós.

Elu também chama atenção para o conhecimento que pode ser apreendido por vias não tradicionais, nem ocidentais, indo ao encontro da proposta curatorial da Bienal neste ano. Desconstruir e desaprender a normatividade, quebrando conceitos duros e binários, é o que propõe Outres (2023). “Para mim, a importância de trabalhar em parceria, tanto com pessoas humanas quanto com seres além-de-humanes, é entender que a gente faz parte de um ecossistema maior, mas, principalmente, retirar, questionar, criticar essa hierarquia que coloca a humanidade no topo. E todo esse ecossistema que é essencial para nossa existência acaba virando algo objetificado, secundário. Então tem uma pergunta: Como se relacionar com esses seres? Como perceber?”, diz em texto do catálogo da Bienal. 

Como lembra Thiago de Paula Souza em texto para o catálogo da mostra: “Lie ampliou suas noções de temporalidade e tem se empenhado em encontrar formas de colaboração que quebrem a noção hierárquica que posiciona a espécie humana no topo da escala evolutiva. Desde então, elu desenvolve ‘instalações-entidades’: grandes esculturas de materiais orgânicos, resultado do processo de degradação/transformação dos elementos que lhe dão forma.”

ANTENA IA MBAMBE Mimenekenu Ê lá Tempo!, de Ana Pi e Taata Kwa Nkisi Mutá Imê 

Foto: Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

O Nkisi Tempo/Kitembo, divindade da nação de Angola, o infinito, aquele que atravessa os seres, rege as mudanças, estações do ano e o próprio tempo, é a força criadora da instalação – localizada logo na entrada da 35ª Bienal. Sob antenas que se movem em sentido anti-horário, há um círculo de terra, onde estão marcados passos em diferentes direções: pés que se cruzam, se afastam ou se encontram. Intitulada ‘ANTENA IA MBAMBE Mimenekenu Ê lá Tempo!’, a obra é uma colaboração entre a artista Ana Pi e o sacerdote supremo do candomblé Taata Kwa Nkisi Mutá Imê. A artista é filha na religião do sacerdote há 18 anos. 

Ana Pi é uma artista do corpo e do espírito, que integra noções de trânsitos e de deslocamentos a seus trabalhos, por meio de gestos, cores e sons comuns. Taata Kwa Nkisi Mutá Imê é diretor da Casa dos Olhos do Tempo que Fala da Nação Angolão Paketan Malembá-Nzo Mutá Lombô Ye Kayongo. Desde a década de 1980, Mutá Imê vem moldando uma metodologia para o ensino e a pesquisa da dança sagrada em toda a diáspora africana, envolvendo inquices, voduns, orixás, caboclos e encantados, por meio de movimentos que equilibram as dimensões mental, física e espiritual. Juntos, “esses praticantes fazem uso de espaços que não podem ser vistos”.

Em texto de Oluremi Onabanjo, integrante do Catálogo da 35ª Bienal, a curadora do MOMA rreflete que a dupla “ao mesmo tempo que reconhece uma forma de pensar inscrita na visão, acolhe o conhecimento que emana do corpo nos vestígios que deixamos, nos suspiros que emitimos.” Para Onabanjo, os artistas são parceiros comprometidos com o periférico – um espaço mental no qual o inseguro pode se tornar um lugar de construção; um lugar em que se vai em busca da imagem gravada na mente, mas volta com sementes, prontas para fazer crescer novos mundos.

A partir de uma triangulação entre Brasil, França e Senegal, eles partem do próprio trânsito como motor de criação, percorrendo caminhos que cruzam ruas, rezas, gestualidades cotidianas e territórios afetivos. Na relação entre corpo e espiritualidade, encontramos o compromisso poético da instalação. Em conjunto, Pi e Mutá Imê escrevem com o corpo, costurando espaços e memórias para ir além da coreografia do palco e adentrar os movimentos da vida cotidiana.

antes de afundar, flutua, de C.L Salvaro 

O híbrido entre arquitetura e natureza é a matéria de criação de C.L Salvaro. A obra, já apresentada na 13ª Bienal do Mercosul, consiste em uma instalação site specific que cria camadas de terra usando telas de arame, entulhos e materiais de construção. Lidando com a impermanência, a necessidade de cuidado constante, e o brotar com o tempo, a obra reflete sobre a instabilidade política e social dos tempos de pandemia. Para a pesquisadora Giselle Beiguelman, em texto de uma exposição realizada em São Paulo, na obra “a natureza rebela-se contra o paisagismo, submetendo a arquitetura às raízes que brotam rizomaticamente e nos colocam diante de um equilíbrio instável. Elas dançam sobre finos fios e, com qualquer movimento que fazemos, lembram-nos de que tudo está prestes a sucumbir.”

A sensação ao adentrar o trabalho de Salvaro é de ser um pouco bicho, formiga, topeira, no meio da areia, entre os buracos da terra. É também de pertencer, ao cheiro de terra molhada, e estranhar, estar vivo nesse entre. E então perceber que não se está vivo ali sozinho, e que vários brotos já começam a nascer. E imaginar: o que vai ser desse futuro?  “A obra já está viva em si, mas ainda vai brotar. Me interesso por isso porque também não consigo conceber que a obra seja acabada, ela está em um processo, e ele é orgânico. Até o fim da exposição vai mudar bastante”, contou o artista ao Nonada Jornalismo em 2022. 

Se não regada, morre. O trabalho acontece, então, a muitas mãos, sendo molhado e ativado periodicamente. “Essa é uma obra viva. Que vai viver por si, independente de mim. Vai sofrer todas as mudanças físicas e os cuidados que as pessoas podem ter ou não”, explica o artista.

Raízes, de Sallisa Rosa

Em 2022, na individual “América”, a artista goiana Sallisa Rosa apresentou um projeto concebido especialmente para Museu de Arte Moderna do Rio (MAM), a partir da pesquisa que desenvolve sobre as relações entre colonialidade, memória e ancestralidade. A proposição artística parte de sua trajetória pessoal: “Sou neta de América. A minha avó, mãe de minha mãe, nasceu em 12 de outubro, dia que o italiano Cristóvão Colombo, enviado pela Coroa Espanhola, invadiu este continente e, por isso, chamaram-lhe América. Feita herdeira das histórias tristes e violentas, América é imensa, forte e farta. Vovó América é grande tal qual, imensa, continental”, conta em texto da exposição.

A artista, que participou do programa de residências do MAM Rio em 2020, conta que vem trabalhando a terra como um recurso ancestral: “Minha prática tem a ver com imagem, fotografia e vídeo, mas também com instalações e obras participativas. Tenho uma pesquisa sobre caminhos e tenho ido muito no sentido de trabalhar com a terra. Refletindo sobre arte e território, penso na materialidade deste elemento que guarda a memória de tudo que já passou e está registrado no solo: pessoas, bichos, plantas e rochas. Acho que a arte também passa por essa demanda de reinvenção e luta por território.” 

Para a curadora Beatriz Lemos, Sallisa passou a explorar novas técnicas a partir do estudo para a individual: “Ela desenvolve uma relação muito forte com o barro e o adobe. Uma das obras centrais é a Urna da memória (2021), realizada em cerâmica, que materializa a lembrança de sua avó, simbolizando sua ancestralidade”. Em torno da peça, a artista dispõe 35 potes da série Abya Yala, também em cerâmica, que fazem alusão à sua idade.

Abya Yala, na língua do povo Guna, originário do Panamá e da Colômbia, é sinônimo de América. Significa terra madura, terra viva ou florescimento. A expressão vem sendo usada como uma autodesignação de vários povos originários do continente em contraponto a América. Foi adotada pela primeira vez em 1507, mas só se consagra a partir do final do século 18, por meio das elites crioulas ao se afirmarem no processo de independência, em oposição aos conquistadores europeus. Lemos ressalta que uma parede pintada com uma solução de terra traz o convívio com as raízes, mais um elemento disparador do imaginário em América

Sallisa Rosa atua com a arte como caminho a partir de experiências intuitivas ligadas à ficção, ao território e à natureza. Além disso, debruça-se sobre imagens relacionadas a temáticas como memória e identidade; narrativas de descolonização e estratégias de criação de futuro. Circula entre fotografia e vídeo, instalações e obras participativas. Em sua trajetória, é central o comprometimento com práticas artísticas voltadas para construções coletivas, no sentido de desdobrar obras em atividades artístico-pedagógicas, formular conversas, partilhar saberes.

Mangueira Desejo, de Val Sampaio 

A obra Mangueira Desejo, da artista paraense Val Sampaio, tornou-se a porta de entrada para a Bienal das Amazônias, exibida entre agosto e novembro deste ano. Belém é conhecida como a “Cidade das Mangueiras” e a artista escolheu levar uma árvore bonsai de 9 anos para compor seu trabalho na exposição.  A Mangueira Desejo faz parte de um conjunto de obras assinadas pela artista e por Lab Techné, e se apresenta como uma árvore de desejos. 

Professora nos cursos de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará, Val já havia trabalhado com materiais orgânicos antes em seus trabalhos. “A relação com a natureza sempre aconteceu no meu trabalho, seja com água, com árvores. Tenho uma tendência a ir por aí mesmo”, explica em entrevista ao Nonada. Em 2008, a artista realizou uma performance de inundação na galeria da Casa das Onze Janelas. A água das chuvas, tão presentes nos territórios do norte, foram matéria de criação para o artista naquela ocasião. 

“O projeto Mangueira Desejo quer trazer à tona uma espécie de invisibilidade em relação às mangueiras da cidade”, conta Val. Há mais de dez anos, a artista começou a contar quantas Mangueiras existiam em um determinado perímetro de Belém – desde o início da Avenida Nazaré até a Basílica. Ao todo, a artista contou 171 árvores, além de realizar um registro da ação ao lado de outros artistas. Artista visual, Val atua com mídias diversas, arte mídia, vídeo, fotografia, vídeo de celular, instalações, intervenções e ações, sempre na interlocução entre arte, natureza, tecnologia e coletivo. 

A Mangueira Desejo também nasce de uma série de inquietações que Val foi somando com o passar do tempo ao ouvir, por exemplo, a pergunta “quem é o dono da floresta?” de artistas estrangeiros com quem conviveu durante uma residência artística na Alemanha. O gesto de contar quantas Mangueiras existiam no Centro Histórico da cidade seguia, junto ao Lab Techné criado por ela no contexto da UFPA, e hoje já tem “mapeada” mais de 800 “indivíduos-árvores” – como denomina. Os trabalhos atuam também na frente da memória, da preservação, e do exercício da denúncia das retiradas de árvores cada vez mais comuns nas grandes cidades. 

Ponto Final, Ponto Seguido, de Uýra 

A terra se ergue sobre o asfalto a partir do corpo da artista indígena Uýra – Árvore que anda. Formada em Biologia, com mestrado em Ecologia, atua como artista visual, arte educadora e pesquisadora. Habita Manaus (AM), território industrial no meio da Floresta, onde se transforma para viver Uýra, uma Árvore que Anda. Tendo o corpo como suporte, narra histórias de diferentes Naturezas via foto performances e performance.

A performance Ponto final, ponto seguido, apresentada pela artista, pensa e ativa ressurgimentos de Vida coberta pelas materialidades e imaginários coloniais e já foi apresentada na Áustria, Itália, Portugal, Sérvia e diversos estados do Brasil. Ela conta com a participação entre e com o público e evoca os poderes das plantas em seus trabalhos. Uýra é um ser híbrido, que entrelaça os conhecimentos científicos da biologia às sabedorias ancestrais indígenas. 

A entidade – que é também a artista – surgiu em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, quando a bióloga decidiu expandir sua pesquisa acadêmica e buscar formas de levar o debate sobre a conservação ambiental e os direitos indígenas e LGBTQIA+ às comunidades de Manaus e seus arredores. Ela descreve a si mesma como uma manifestação em carne de bicho e planta que se move para exposição e cura de doenças sistêmicas coloniais. Por meio de elementos orgânicos, utilizando o corpo como suporte, encarna esta árvore que anda e atravessa suas falas em fotoperformance e performance. Interessa-se pelos sistemas vivos e suas violações, e a partir da ótica da diversidade, dissidência, do funcionamento e adaptação, (re)conta histórias naturais, de encantaria e atravessamentos existentes na paisagem floresta-cidade. 

Insurgencias botánicas: Phaseolus Lunatus, de Ximena Garrido-Lecca

A exposição Insurgencias botánicas foi uma das individuais que integram  34ª Bienal de São Paulo, em 2021. A mostra monográfica da artista peruana Ximena Garrido-Lecca inaugurou contou com 9 obras, entre instalações, fotografias e vídeos, que estarão expostas no 3º pavimento do Pavilhão da Bienal até 15 de março. Ela pesquisa os impactos dos processos coloniais e suas consequências contemporâneas. 

Em sua obra, Garrido-Lecca parte com frequência de um estudo de técnicas e materiais empregados no artesanato, arte e arquitetura ao longo da história peruana. As instalações apresentadas na 34ª Bienal utilizam técnicas ancestrais de cerâmica e a tecelagem, além de materiais como cobre, barris de petróleo, óleo, madeira, arame, pregos e plantas. Um de seus trabalhos mais emblemáticos, Insurgencias botánicas: Phaseolus Lunatus [Insurgências botânicas: Phaseolus Lunatus], de 2017, é uma instalação com estrutura hidropônica em que são plantadas mudas de favas da espécie Phaseolus lunatus. 

Como as plantas brotam ao longo do ano, o público teve a oportunidade de acompanhar diferentes momentos da  transformação da instalação, num movimento que de certa forma simboliza o da própria Bienal, que é inaugurada agora mas irá se ampliando, transformando e problematizando até dezembro. Para Garrido-Lecca, em entrevista para a Fundação Bienal, o gesto de cultivar as favas representa uma espécie de re-ativação simbólica do suposto sistema de comunicação da cultura Moche, uma civilização peruana pré-incaica que desenvolveu complexos sistemas hidráulicos de irrigação e que, segundo teorias, valia-se das manchas presentes nessas favas como signos para uma escrita ideogramática.

Norte Revolvo, de Ana Bia Silva

Foto: Rafael Salim/divulgação

Norte Revolvo foi desenvolvido durante uma Residência na galeria Cândido Portinari – UERJ em Janeiro realizada pela artista Ana Bia. A obra compõe a exposição  EWÊ | OMÍ, coletiva com a curadoria de Catarina Duncan, na Portas Vilaseca Galeria no Rio de Janeiro. Concebida a partir de duas obras do artista baiano Ayrson Heráclito, ‘Agué com Avivi’ (2022) e ‘Sacudimentos – O encontro das margens do Atlântico’ (2015), a mostra se divide em duas perspectivas: a terra e o mar. 

Ana Bia Silva, uma das 20 artistas convidadas, utiliza a terra vermelha, natural de alguns estados do Brasil como São paulo, Minas Gerais e Paraná, que é uma terra atualmente magnética graças a presença de ferro. A raiz suspensa é a agulha que aponta para a terra vermelha, que se apresenta como o norte, o ponto de orientação e navegação. A “agulha”, mesmo que apontando para algum lugar, está sempre vagando num movimento aleatório e contínuo, assim como a terra, que se mantém em movimento atraída pelo magnetismo. 

“Me interessa no trabalho os movimentos sutis e quase imperceptíveis que representam simbolicamente os movimentos ligados a terra, desde os movimentos das pessoas nos territórios, até os movimentos das formigas, insetos e as outras milhares de relações interconectadas que compõem natureza e cultura”, explica a artista. Nas palavras da curadora da mostra Catarina Duncan, “a obra de Ana Bia Silva é um estudo sobre a potência magnética da Terra Vermelha, as coisas não estão separadas”. 

O trabalho da artista se baseia em pensar a terra e construir reflexões sobre as relações culturais e exploratórias que os sistemas estabelecem, e como essas relações se sucedem nas associações interdependentes da natureza, dos povos e dos outros sistemas de vida que compartilham dessa terra. Apropriando-se de técnicas tradicionais e experimentais e relacionando os materiais naturais e industriais, em que a experimentação é parte inerente do processo, a artista utiliza de conceitos históricos, científicos e afetivos para desenvolver simbioses possíveis com elementos inerentemente conectados, ascendendo com isso questões políticas, culturais, sociais e ecológicas.

Corpo terra, de Mayra Karvalho 

Nas palavras da curadora, “cada obra presente evoca um sentido de sagrado, promovendo a sensibilidade do indivíduo para se adaptar à natureza, atravessar questões políticas estruturais e celebrar formas diversas de produzir conhecimento. O que a floresta nos ensina? Quais são as estratégias de resistência ancestral que cultivamos? Como o corpo atravessa o tempo? São algumas perguntas que surgem diante do universo encantado em exposição.”

Corpo Terra, de Mayra Karvalho, se dedica a navegar por essas questões, materializando uma homenagem ao Orixá Obaluayê, senhor da terra, coberto de palhas. s cabaças são, no candomblé, o início da vida e o lugar onde se guarda o remédio para a cura. “A trama de palha é uma outra forma de se contar histórias”, explica a curadora. “Em ‘Corpo terra’, Mayra Karvalho se dedica ao tempo da terra, da passagem dos dias, da aurora, e faz uma elaboração sobre o mês de agosto, em que se celebra os orixás da terra.” 

Artista visual e pesquisadora contracolonial nascida no território da Baixada Fluminense, seus trabalhos são voltados para a cosmovisão, ancestralidade e saberes de sua etnia. Utiliza diferentes materialidades como cerâmica, palhas, madeira e ferro em suas esculturas e instalações, expressando a conexão com a terra e as tradições. Além disso, através de suas pinturas e ilustrações, transparece sua ligação com os encantados e encantarias. 

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Repórter do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
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