Vista a camisa, de Julia Saldanha  (Foto: divulgação)

No corre: conheça 10 artistas que falam da arte como trabalho

A dificuldade de ser reconhecido como trabalhador e trabalhadora é uma espécie de sina para quem faz arte no Brasil. Um imaginário histórico de apagamento do lugar do trabalho na atuação artística e cultural se mantém, como se, muitas vezes, apenas a fruição e a criação pudessem ser lembradas. Nos últimos anos, no campo das políticas culturais, há um movimento para a regulação dos direitos trabalhistas básicos para trabalhadores do campo. No campo artístico, há diversos artistas que explicitam debates, muitas vezes silenciados e naturalizados, nas relações do Sistema da Arte, sobre o que é ser trabalhador da arte hoje. 

É o caso de Vista a Camisa, da artista Julia Saldanha. A frase simbólica, do mundo do trabalho, é também válida para os espaços de arte. Na parte da frente da camisa, uma série de estampas fala das condições precarizadas dos trabalhadores, como a que diz em sua frente “MEI” e nas costas “artista trabalhando”. O trabalho acontece em uma lógica de reprodução, multiplicação, ou seja, ao longo do tempo, várias pessoas foram usando a camisa, espalhando por aí, como uma manifesto, que, sim, artista é trabalhador. 

Artistas que têm o trabalho e as relações de poder como cerne de suas produções também ampliam os debates para o que costuma ser silenciado, tácito, no campo das artes. Em placas verdes características de sinalizações de trânsito, Augusto Leal anuncia: artista recebendo cachê – a 100m. O título neste trabalho também traz uma camada importante. A série Sinalização Profética, anuncia para o espaço desejos, que precisam ser verbalizados, grafados, instalados para que deem direções. Com uma ironia necessária à crítica institucional, também é muito sério ao lembrar, dentro do núcleo Legítima Defesa em Dos Brasis, dos rumos que os espaços – e os agentes – desse sistema precisam tomar. Confira a lista completa e conheça 10 artistas que falam sobre trabalho:

Sinalização Profética, Augusto Leal 

Augusto Leal é artista de Simões Filho, na Bahia. Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em Desenho Industrial pela mesma instituição. Entende a arte como prática libertadora na medida em que por meio dela consegue compreender e elaborar as questões que lhe atravessam, e fabular novos mundos. Pensando a partir das relações sociais e geopolíticas entende que a arte pode promover transformações na forma que as pessoas pensam, se relacionam e se movem no mundo. 

Por isso, em seus trabalhos se interessa pelo diálogo, presença, participação e colaboração de pessoas em um esforço conjunto de (des) pensar a sociedade. As placas de Sinalização Profética foram comissionadas pelo Sesc e integram a exposição Dos Brasis, curada por Igor Simões. 

Mantenha-se viva, de Arcasi 
Mantenha-se Viva, de Acarsi (foto: divulgação)

Arcasi é artista afroindígena, nascida em Belém/PA. Atualmente mora no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. Desenvolve experimentações com poesia, fotografia, instalações e presença. É graduanda de História da Arte na Escola de Belas Artes da UFRJ e integra os coletivos Casa da Quinta (PA) e Afro Resistências (RJ). É idealizadora da Kitnet Galeria. Arcasi está presente com registros da instalação “Mantenha-se viva” (2020). “Mantenha-se viva” integrou diversas exposições, entre elas a 1ª edição da exposição Arte Como Trabalho: estratégias de sobrevivência dos trabalhadores da arte, curada por  Carolina Rodrigues, João Paulo Ovídio, Luana Aguiar e Priscila Medeiros. 

Educativo trabalhando , de Rodrigo Ferreira 

Rodrigo Ferreira é filho de mãe carioca e pai pernambucano, nascido e criado na zona norte do Rio de Janeiro; suburbano, educador e artista. Pesquisa cotidianos através de relações entre palavras e imagens, buscando outros modos de leitura. Brinca de repetir diferente. Rodrigo Ferreira está presente com as séries “Educativo trabalhando” (2019-2020) e “Morar no trânsito” (2019-2020). Sua caminhada começa pela educação não formal nos museus – o que influencia seu repertório de arte e cultura visual, assim como sua produção artística. Em relato sobre o trabalho, ele diz que “até quando a gente sai pra trabalhar a casa vai junto, porque a casa é a gente também. Então procuro olhar alguns elementos e situações na rua com o mesmo cuidado que olho pra casa.” Integrou a exposição “Arte Como Trabalho: estratégias de sobrevivência dos trabalhadores da arte”, curada por  Carolina Rodrigues, João Paulo Ovídio, Luana Aguiar e Priscila Medeiros. 

A água afia tudo o que vê pela frente, de Charlene Bicalho
A água afia tudo o que vê pela frente, de Charlene Bicalho (Foto: Divulgação)

Charlene Bicalho é artista interdisciplinar, curadora de articulações criativas e pesquisadora independente cujo trabalho em vídeo experimental, performance, texto, instalação, interven[ação] e fotografia emerge da intersecção entre crítica institucional, reflexões sobre o legado de comunidades tradicionais, processos em redes e aprendizagem contra hegemônicos. Sua formação em Administração e experiências na área de gestão cultural, no setor público e privado, informa uma prática criativa interdisciplinar que abarca interesses artísticos, ativistas, críticos e curatoriais contendo, mesmo em suas abordagens individuais, o desejo coletivo por visualidades divergentes. 

Para a curadora Mônica Hoffman, “Alguns elementos têm presença recorrente no trabalho de Charlene Bicalho: chaves, pemba, âncoras, o silêncio. Nenhum deles, entretanto, assume tanta centralidade como a água. Como um agente que desliza, escorrega, ensopa, limpa, encharca, lava, inunda, enche, afunda, a água existe –material, conceitual, política e metaforicamente– no trabalho da artista, como um elemento crucial para ativar processos e desestabilizar sistemas.” O trabalho da artista integra a exposição Dos Brasis, curada por Igor Simões.

Bolsa ócio já, de Solon Ribeiro
Bolsa ócio já, de Solon Ribeiro (Foto: divulgação)

Solon Ribeiro nasceu em Crato, Ceará. É artista, curador e professor, graduado em arte e comunicação com especialização em fotografia pela L’École Superieure des Arts Decoratifs, Paris, em 1991. Atua na investigação de cruzamentos entre a fotografia, o cinema, a cenografia, a instalação e a performance. Através da recontextualização de imagens e fotogramas cinematográficos oriundos de montagens narrativas, o artista problematiza o estatuto do arquivo a fim de desmontar sua relação íntima com o passado. Com o intuito de liberar a imagem a novas formas e significações, procura explorar seus aspectos mágicos e metafísicos. É autor dos livros Lambe­Lambe: Pequena história da fotografia popular, Fotografia Contemporânea: Linguagem e Pensamento e Perdeu a Memória e Matou o cinema. Participou de mostras coletivas no Itaú Cultural, São Paulo (2011); no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2011); no Museu de Arte Moderna de São Paulo (2007 e 2000); e apresentou individualmente Quando o cinema se desfaz em fotograma, FUNARTE, Rio de Janeiro (2009). Vive e trabalha em Fortaleza. A obra Bolsa Ocio Já integra a exposição Se Arar, curada por Lucas Dilacerda, Cecília Bedê, Herbert Rolim, Maria Macêdo e Adriana Botelho, na Pinacoteca do Ceará. 

Novena a São José Operário para conseguir emprego, de Leandro e Silva

Nascido e criado na cidade de Volta Redonda, hoje morador do Rio de Janeiro. Foi na graduação, em cinema, que começou a formular uma produção artística focada na questão do trabalho, que se estende em sua pesquisa de mestrado (PPGAV-UFRJ). Desde então, coleto fuligens, documentos de toda ordem e promovo e registro ações de movimentos populares com o objetivo de edificar e disputar a memória dos trabalhadores da região Sul Fluminense por meio da arte. Para curadora Luana Aguiar, a intenção do artista em “Novena a São José Operário para conseguir emprego”  “é a de dessacralizar a imagem do santo ao permitir que o trabalhador tenha a chance de trocar de lugar com a divindade e, assim, obter o poder de conduzir seu próprio destino.”

Vista a camisa, de Julia Saldanha 

Julia Saldanha é artista, pesquisadora, cenógrafa e ilustradora. Formada em arquitetura pela Escola da Cidade ( São Paulo, 2011) atualmente faz mestrado em estudos contemporâneos das artes na linha de pesquisa: Experiência–Conceito–Sonoridades orientada pelo Prof. Dr.  Ricardo Basbaum na Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalhando sozinha ou em parcerias (com pessoas, elementos da natureza, paisagens e acasos) sua prática artística, busca relacionar, tensionar e ampliar alguns assuntos que lhe atravessam como trabalho e o fazer artístico e criação de subjetividades. Se interessa pelo uso da palavra e seus desdobramentos. Atua também como professora, apesar de não separar sua atuação na educação e sua prática artística já que tudo é um grande ateliê onde as ações são potencializadoras umas em relação às outras. Desde 2017, organiza o curso Livrinho de artista no Parquinho Lage (Escola de Artes Visuais do Parque Lage, RJ). 

Para curadora Eloisa Almeida, em texto sobre o trabalho da artista, o trabalho fala de uma precariedade deliberada, onde “o viver é constante e palpável, com contas a pagar e a necessidade de ter direitos garantidos: para isso, algo precisa ser alterado na estrutura, e este algo está presente não só na visibilidade, mas no que está por trás e adiante dela, que é o que permite continuar.”

Trabalhar cansa, individual de Pablo Vieira com curadoria de Carollina Lauriano
Trabalhar cansa, individual de Pablo Vieira

Pablo Vieira é Bacharel em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Pesquisa as implicações culturais incutidas no ato laboral, bem como no próprio trabalhador, produtor de capital simbólico. Em sua produção utiliza de inputs cotidianos, gerados pela vida na metrópole, pela religiosidade e pelo estudo da natureza como disparadores para propor um mesmo olhar sobre a subjetividade daquele que produz para o consumo (artista, artesão, operário). Desde 2012, é membro integrante da dupla de artistas Associação Massa Falida, grupo com o qual participou do programa de Residência Internacional J.A.C.A, em 2016 em Nova Lima, MG, do Programa de Residência Artística Tofiq House em 2015 em São Paulo, SP, e da 7ª edição da Red Bull House of Art em 2014 na Red Bull Station em São Paulo, SP. Atualmente, é membro do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Desterritorialização, que se dedica à investigação dos múltiplos fenômenos e suas consequências políticas pós-diáspora e colonização. 

Em sua primeira exposição individual, o artista parte da sua própria condição de trabalhador e de imagens coletadas no cotidiano da metrópole para tensionar as relações entre trabalho e indivíduo. A mostra tem inauguração marcada para o dia 1 de maio, no espaço de arte e cultural BANANAL, localizado em São Paulo. Segundo a curadora, “O título da exposição é Trabalhar Cansa. Mas também podia ser “Trabalhar com arte cansa”. 

Arte Como Trabalho: estratégias de sobrevivência dos trabalhadores da arte, exposição com curadoria de Carolina Rodrigues, João Paulo Ovídio, Luana Aguiar e Priscila Medeiros. 
Uni-vos, de Guilherme Kid, na exposição Arte como Trabalho (Foto: divulgação)

O projeto “Arte como trabalho” foi uma exposição coletiva, realizada em duas edições, nos anos de 2021 e 2022, e se debruçou sobre a temática do trabalho a partir do olhar de artistas de diferentes regiões do país. A curadoria foi assinada por Carolina Rodrigues, João Paulo Ovídio, Luana Aguiar e Priscila Medeiros, e o grupo realizou uma série de atividades que podem ser conferidas no Instagram do projeto e na publicação lançada após as exposições.  Para a curadora Carolina Rodrigues, “optar pelo cenário das artes visuais, principalmente nos últimos tempos, tem significado apostar na instabilidade. Soma-se a isto, a quase inexistência de equipamentos culturais voltados para essa linguagem artística nas áreas onde residimos. Diante dessas questões, o projeto parte da necessidade da mobilização coletiva para compartilhar as estratégias de sobrevivência que têm sido adotadas, principalmente por pessoas com realidades sociais parecidas com as nossas – e, por incrível que pareça, somos maioria”. 

Fundamental 1, de Janaína Vieira 
Fundamental 1, de Janaína Vieira (Foto: divulgação)

Janaina Vieira é natural de Macamabira, Sergipe. Atualmente, reside em Jacareí, São Paulo. Graduada em Design Gráfico é artista visual, fotógrafa e educadora social. Introduziu a colagem em suas experimentações em 2016. Desde então, vem permeando técnicas artísticas onde a colagem faz parte do processo: escultura, arte digital/analógica, muralismo e fotografia digital. Essas práticas artísticas muitas vezes trazem reflexões sobre o cotidiano periférico, tema que está no centro de suas pesquisas. Sustentando reflexões sobre demográficas, tópicos que abordam noções de pertencimento, escalada e visibilidade em coincidência aos direitos básicos. 

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Repórter do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
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