Há dez anos, o grupo teatral Pretagô lotava o Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e afirmava para uma plateia de quase mil pessoas que um quilombo de artistas negros, egressos da universidade através da política de cotas, poderia, sim, ocupar aquele lugar. Poderia subir ao palco e falar sobre o que desejasse. Naquele momento, o espetáculo Qual a Diferença entre o Charme e o Funk? expressava o movimento de uma juventude considerada a “geração da esperança”, que ansiava falar de sua cultura, sua arte, seu corpo, seu cabelo e sua dança.
Dez anos depois, o grupo já viveu muito, dentro e fora dos palcos. Na vida pessoal dos oito atores e criadores, o tempo trouxe a maternidade, pesquisas acadêmicas, intercâmbios, viagens, novas atuações profissionais e mudanças de cidade. Na vida em coletivo, o grupo segue unido, como uma família constituída através do afeto e da identificação. Ao longo da história, os temas abordados nos cinco espetáculos montados foram se transformando, influenciados diretamente pelas transformações nas vidas pessoais, amadurecimentos políticos e poéticos e por novas compreensões compartilhadas sobre a presença negra em cena.
Em 2024, o aniversário de uma década do grupo foi celebrado em atuação: foram mais de dez apresentações, em diferentes espaços culturais de Porto Alegre e Pelotas. O plano era, originalmente, celebrar em maio de 2024, mas o Rio Grande do Sul foi atingido pela maior tragédia climática de sua história. Diversos integrantes do Pretagô tiveram suas casas e de familiares atingidas e o grupo precisou se reestruturar, assim como durante o período da pandemia, para fortalecer seus integrantes. As celebrações foram adiadas, iniciaram em julho e não pararam desde então.
O espetáculo Mesa Farta foi o escolhido pelo elenco para ser apresentado nesta temporada significativa, que celebrou uma conquista do grupo e também o processo de se reerguer mais uma vez. Criada em 2019, pré-pandemia, Mesa Farta já é fruto do processo de crescimento conjunto dos integrantes e do desejo que sentiram de irem em uma direção diferente do primeiro espetáculo. Para além das imagens de dor e sofrimento em relação às pessoas negras, Pretagô quis montar um espetáculo em que as imagens positivas, onde os sonhos e as vontades estivessem no centro – da vida, do palco e da mesa.
Mesa Farta propõe uma reflexão sobre esse lugar, a mesa, que nos faz pensar a respeito do cotidiano da vida e também das relações que estabelecidas a partir dela. Como diz o grupo, “ sobre ela comemos, bebemos, choramos, rimos, celebramos a vida e a morte, sonhamos, divagamos e decidimos. Na mesa são feitos acordos sobre o mundo.” No universo das artes, esses acordos também precisam ser pensados: o que significa chegar aos dez anos enquanto um grupo teatral afrocentrado? Quais as conquistas, os aprendizados, os desafios? O Nonada entrevistou seis integrantes, dos oito, para ouvir o que pensam sobre esse sobre essas perguntas:
Mari Falcão, artista cofundadora do grupo Pretagô. É costureira e figurinista:
“Até ser convidada pelo Pretagô para fazer o figurino do primeiro espetáculo, eu não tinha nem dado conta que eu era figurinista. O Pretagô surgiu a partir do trabalho de conclusão da Camilla Falcão, minha filha. Eles montaram esse grupo, fizeram o espetáculo, e aí precisavam de alguém que fizesse as roupas. Eu sempre fui costureira, então comecei a fazer o figurino e não parei mais. Comecei a trabalhar com outros grupos teatrais também. Eu sou muito grata, porque através do Pretagô eu me achei.
O que mais me toca é que foi a partir do Pretagô que eu comecei a me entender até como uma mulher negra. Eu sou de uma geração em que tudo era normalizado. A gente não tinha muito essa noção. Eu não tinha nem notado que quando eu ganhei a minha filha, eu sofri uma violência no parto, sabe? Eu comecei a notar isso com os espetáculos do Pretagô, com o que eles falam. Eles ensinam em cena. Nesses dez anos de Pretagô, eu comecei a me dar conta tanto do meu valor quanto da minha história. Eu abri meus olhos de que eu nasci uma mulher preta.
Eu sempre soube que chegaria a dez anos. É sobre atravessar o tempo. Eu tinha esperança de que chegasse, por tudo que se faz, por tudo que se fala. Tem todos os grupos que vieram antes, que abriram esse caminho para o Pretagô poder existir também. Mas, claro, também fiquei preocupada pela situação do país. Se não desse certo, não seria por não eles não terem talento, por não terem coisas pra dizer, mas, sim, pela situação que o país passou.”
Manuela Miranda, artista cofundadora do grupo Pretagô. É atriz, bailarina, produtora, roteirista e educadora social:
“Completar dez anos significa a concretização de um sonho que a gente tinha lá no início. Éramos muito jovens, cheios de sonhos e planos. A gente sonhava com uma carreira artística. Estamos quase todos formados na faculdade, mas mesmo assim, eu digo que o sistema segue contra a gente. Então, não é tão fácil quanto parecia ser. Os percalços da vida foram mostrando as dificuldades em ser uma pessoa preta nesse meio teatral. Ao mesmo tempo, o Mesa Farta é uma concretização de que valeu a pena todo aquele investimento e trabalho que a gente fez ao longo desse tempo.
A gente sempre sonhou em ser um grupo que conseguisse se estabelecer na cena das artes cênicas. Quando começamos, foi um momento de efervescência do movimento negro, dos jovens da nossa época se voltarem para uma intelectualidade negra que sempre existiu, mas que a gente não conseguia acessar. O Mesa Farta é a soma de tudo isso. De todo esse início de sonhos, do nosso amadurecimento. Agora estamos tratando de temas que a gente queria mexer, mas que talvez fosse meio delicado naquele momento do início.
As nossas pautas mudaram, porque agora a gente já não é mais tão jovem, mas a vida vida adulta continua sendo difícil. Nesse espetáculo, a gente traz vários monólogos de diretores europeus, textos clássicos do teatro grego. Na juventude, não queríamos dar vazão a esses desejos porque a gente estava em um momento de rompimento com tudo que era branco, com aquela academia branca. As discussões, há dez anos, eram mais centradas no racismo, surgiu o termo empoderamento, tinha a discussão sobre o turbante, as tranças, o cabelo. Na época que o grupo surgiu tinha uma campanha da Anistia Internacional sobre Jovem Preto Vivo, então o nosso tom era esse: embate, enfrentamento.
Depois de um tempo, a gente queria também falar das coisas que nos faziam felizes, das coisas que eram leves, das nossas potencialidades enquanto pessoas pretas e de também relaxar um pouco em cena, podendo brincar inclusive com discussões internas do movimento negro. Então, a gente brinca com as correntes do feminismo, algumas teorias africanistas, enfim. Existem rachaduras dentro do movimento negro. Nós somos um movimento muito heterogêneo, o Brasil é um país que, querendo ou não, quando se fala de negritude, é uma negritude bem complexa. Então, a gente poder mexer com isso, de uma forma mais leve, é também a gente poder falar sobre a gente mesmo, com mais humanidade, para além do é só certo ou errado.
Também nos demos a possibilidade de resgatar esses clássicos, esses monólogos que naquela época a gente jamais faria, mas que hoje a gente faz. Eu, pessoalmente, sempre gostei, sempre quis falar esse texto na faculdade e nunca tive oportunidade, nunca fui escalada para uma peça que pudesse falar sobre isso. O Pretagô é o lugar para dar vazão a tudo isso. Vai muito ao que dizemos no início do espetáculo: “não nos prenda na retina.” Quando vocês acham que nos entenderam, a gente quer dar um jeito de mostrar que não, não é bem assim.
Agora, com dez anos, já temos duas crianças no grupo, o filho da Camila Falcão, e eu tenho uma filha também, que tem um ano e meio. Então, teve todo esse amadurecimento da maternidade também, junto à minha carreira artística. Tudo foi mudando, e hoje a gente avalia o tempo que a gente tem para dedicar para o grupo, a escolha dos editais que vamos participar, aquilo que vai ser rentável para a gente, que a gente não vai gastar mais do que a gente vai receber, porque isso já aconteceu muito no início da nossa trajetória. Hoje buscamos espetáculos que paguem a todos nós e que a gente consiga pagar todos os profissionais envolvidos. Cada vez mais uma ficha técnica preta também, que é um sonho que a gente tem desde o início.
Esses dez anos foram uma década de muita resistência. A vida se atravessou de muitas formas. Teve uma Covid, teve enchente. Acho que ainda não chegamos no sonho de poder viver além da sobrevivência, sabe? A sobrevivência ainda é muito latente na gente. Imagino que os nossos eu do passado, acreditavam que em 10 anos já estaríamos vivendo bem de teatro. A gente ainda, de certa forma, continua sobrevivendo. Temos que dar os nossos corres diários para, de certa forma, poder bancar esse sonho de estar no palco.
Já está bem melhor do que era, mas quando vemos alguns colegas nossos brancos do meio teatral já estão mais estabelecidos nesses 10 anos. De certa forma, o racismo continua se fazendo presente para que a gente não consiga acessar alguns espaços que gostaríamos.”
Thiago Pirajira, artista cofundador do grupo Pretagô. É ator, performer, diretor, produtor, curador e professor na UFPEL
“Quando comecei a fazer teatro, tive a sorte de ter como minha primeira professora de teatro uma mulher negra, a Dedy Ribeiro, que hoje é minha colega também de grupo na UTA (Usina do Trabalho do Ator). Essa questão de identificação, de pertença, constituiu o Pretagô como um grupo, porque na geração que o grupo se construiu, vivíamos ainda as reverberações do que o Caixa Preta fazia e segue fazendo em Porto Alegre.
Essa ideia de referência e de identificação está no teatro, mas também além dele, no cinema, na música, referências de uma onda pop que o elenco vivenciava naquele momento em 2014, numa efervescência. Era um momento de muita reverberação cultural e no DAD, Departamento de Arte Dramática, não era diferente. Esse jovem se encontra como o reflexo da política de cotas que começava ser visível nos espaços da universidade. Os encontros vieram desses reflexos.
Essas inspirações, identificações, são diversas, e têm também um pouco do que a política de cotas proporcionou e vem proporcionando. É a possibilidade de, para além das identificações, referências nos repertórios de cada uma e de cada um, ter essa própria inspiração. No Pretagô, a gente também se inspira uns nos outros, e falamos disso de forma radical, porque isso é.
A nossa produção se baseia nas experiências de vida de cada um. É um traço que constitui o trabalho do grupo. Não trabalhamos com essa construção de personagens, no modelo euro-referenciado, no sentido da criação de um personagem que é algo que está distante da gente, que tem que ser alguém separado de você. Ao longo da trajetória, fomos entendendo essas recusas sobre alguns modos de se fazer teatro tradicionais nos quais a gente não se encaixa, não cabe. A gente, ao mesmo tempo que recusa, também está criando outros modos. Então, é nessa simultaneidade de recusar que as possibilidades de criação se fundam.
Olhamos para referências que estão na cidade, na história da cidade. Herdamos os saberes do Caixa Preta, e também dos artistas que vieram antes. Agora estamos nos tornando referências também para grupos e outros ajuntamentos de artistas negros, como o Espiralar Encruza. O Pretagô nasce de um modo meio de identificação no qual a gente olha para os nossos pares e consegue, diante de uma lacuna de invisibilidade, ter uma identificação radical, ao ponto de criar modos que sejam possíveis. Esse modo faz com que a gente resgate as nossas próprias vivências, as nossas próprias histórias e traga isso para cena, colocando uma lente de aumento nessas questões. Ao mesmo tempo que a gente recusa ,também abrimos espaços para as imagens, potências, desejos, saberes, eclodirem, surgirem, ressurgirem, reaparecerem.
Olhando para os dez anos, vejo que a gente sabe o que a gente está fazendo, mas sempre dois passos à frente. Sabemos quem somos. Então, nesse sentido de saber quem se é a gente, fomos nos permitindo experimentar, inclusive, aquilo que não diz respeito a nós, ou aquilo que não foi pensado nos considerando, como os textos clássicos europeus. Nós nos apropriamos disso, porque a gente desejou, sem perder de vista quem a gente é. Acho que isso é um exercício radical de liberdade, não é? Poder fazer o que a gente quiser.”
Laura Lima, artista cofundadora do grupo Pretagô. É atriz, performer, podcaster e produtora de conteúdo digital.
“Parando para analisar, celebrar os 10 anos é uma loucura, porque a maioria de nós se conheceu no primeiro semestre da faculdade. É um tempo de trabalhar junto e se ir conhecendo cada vez mais, a idade vindo, as ideias da cabeça mudando, os entendimentos que a gente tinha da gente de futuro se modificando também. Antes de 2020, estávamos em uma ascendente enquanto coletivo. Foi quando a gente começou a montar o Mesa Farta. Só que veio a pandemia e tudo que aconteceu. Eu era trabalhadora MEI, na época, trabalhava com serviço social em escolas. Hoje eu trabalho em uma escola do município.
Esses últimos anos foram bons para a gente, porque foi um período que demos uma parada, no sentido de estar fazendo trabalho juntos, mas continuamos conectados quanto coletivo, assim. A gente acabou virando uma família, assim, de amigos mesmo. A gente trabalha juntos, mas a gente tem algo além desse compromisso, de estar junto só no trabalho artístico. Sabemos da vida um do outro, a gente se visita, se cuida, sabe quando um tá bem, quando o outro tá mal.”
Em dez anos, nossa vontade de estar junto e de criar juntos segue muito forte. O que mudou foram consequências do amadurecimento, de ver a vida com outros olhares. Temos um amadurecimento na forma de pensar o nosso trabalho, de executar os espetáculos. Hoje já aprendemos a valorizar mesmo nosso trabalho e sabemos que a gente precisa de um suporte mínimo para conseguir produzir, porque existem outras vidas que estão por trás daquilo. A vida adulta depois da graduação foi chegando e mudou muito a gente, enquanto indivíduos e enquanto coletivo.
Bruno Fernandes, artista cofundador do grupo Pretagô. Atua em cinema, TV e publicidade.
“O que passa na minha cabeça pensando nos dez anos é uma evolução minha como ator e na forma como eu consigo entender melhor a técnica de atuação em relação à contracenar com os meus colegas. Não só em relação a como eu digo os textos, mas a como eu me comporto fora de cena, dentro de cena, como eu consigo perceber a reação dos espectadores. Me sinto mais integral, mais amadurecido.
Isso vem também ao encontro do próprio espetáculo e daquilo que a gente acredita que é uma Mesa Farta para nós. Para mim, uma mesa farta é sentir toda essa potencialidade em cena. É como o teatro se demonstra pulsante. Ainda sinto o nervosismo, as borboletas na barriga ainda estão presentes. Também ainda é uma noção de que pode vir um caminho ainda muito grande pela frente e que isso ainda pode se desdobrar em outros espetáculos, em novas experiências, em novas capacidades como ator também.Os 10 anos têm, para mim, esse significado de maturidade e do processo de envelhecimento.
O primeiro texto da peça fala sobre envelhecer. Foi um texto que eu escrevi há cinco anos atrás, quando pra mim, eu já pensava que isso podia acontecer. Hoje, vários anos depois, eu entendo essa cena melhor do que quando a gente criou. No espetáculo, eu tenho dois monólogos que eu entendo melhor hoje do que quando a gente inventou eles.
Pretagô é um lugar precioso de amizade, de criação, um refúgio de encontrar pessoas que entendem coisas muito específicas. Às vezes a gente briga, mas a gente sabe que é da hora. Pretagô significa a possibilidade de ser livre para ser o artista que eu gostaria de ser, para atuar do jeito que eu quero atuar, com todos os meus trejeitos e todas as minhas vontades.
Eu me sinto feliz, porque não são todos os artistas que conseguem encontrar um grupo para si. Isso aconteceu, e a gente teve o reconhecimento do público, e a gente teve a nossa aceitação, o nosso próprio reconhecimento. É mágico e uma oportunidade rara. É como quando a gente encontra uma pessoa que a gente ama, que nos ama de volta, e a gente tem uma noção de que não é todo mundo que tem isso.
Para os próximos anos, eu desejo que a gente seja patrocinado, financiado. Eu desejo muito que a gente viaje, fique em um hotel juntos, tomando café da manhã de hotel juntos. Coisas que eu já fiz com outros grupos, com outros coletivos, e queria que a gente também realizasse.”
Silvana Rodrigues, artista cofundadora do grupo Pretagô. É dramaturga, performer, atriz e bacharela em Direção Teatral pela UFRGS:
“Nesses momentos de conversar sobre o grupo, nos damos contas que que a gente ainda não se recuperou da pandemia. Já é difícil para todos. Sendo artista negro, vai ter esta camada. Artista periférico, tem outra camada. E nós somos, ainda, da região metropolitana, cada um de um lugar. Quando a gente conseguiu finalmente fazer uma agenda, uma festa marcada, veio a enchente. A gente criou uma utopia, aconteceu a enchente, e levou nossas utopias como muitas coisas de muitas pessoas. Um processo com muitas dores.
Quando veio esse edital (do Centro Histórico da Santa Casa), e fomos contemplados, ficamos muito felizes porque íamos ter a comemoração. O edital viabiliza ter uma verba para que a apresentação aconteça além da bilheteria. Já é uma experiência mais digna do que muitas outras. Muitas vezes a gente está realmente na guerrilha para continuar existindo, e eu não falo de forma romântica. Pelo contrário, é justamente o que eu quero mudar.
Com a chegada das crianças, entramos em um outro momento do Pretagô. Dentro dessa comemoração dos 10 anos, o nosso próximo projeto é de um espetáculo infantil, que a gente já vem falando há bastante tempo, mas que agora agora surge esse demanda da gente, principalmente nós que não temos filhos, de pensar nas delicadezas, de como a gente lida com os nossos amigos, com as nossas amigas nesse processo.
Estamos nesse momento de celebrar o que a gente já fez com o Mesa Farta, mas já, como no próprio texto diz, pensar dois passos à frente, já pensando qual é o próximo passo. Mesmo que ele seja uma utopia e que o mundo acabe de novo. A gente segue tentando.
A gente já deu o recado. Ainda tem muitos lugares que a gente pode ir ao Rio Grande do Sul, mas eu acho que o nosso trabalho é muito digno de circular por outros lugares, ter intercâmbio com outros artistas de outros lugares também. Eu acho que isso nos enriquece. E a gente já trabalhou muito, eu acho que tá na hora de uma colheita. Só que essa colheita, ela só vem com mais trabalho ainda. Mas, enfim, a gente está sempre na batalha de editais e tentando. Nesses 10 anos, a gente nunca teve um financiamento.
Isso é uma coisa que a gente fala muito e que eu falei com as meninas no camarim, ontem: está na hora da nossa colheita. A gente merece essa Mesa Farta. E o merecer é uma palavra que eu uso muito intencionalmente, que é uma palavra problemática, no modo geral. Mas, assim, é o mínimo, né? Tratar isso como básico. Somos trabalhadores, como de qualquer área. A gente já trabalha muito de graça pra esse país. Então, eu espero que uma certa tranquilidade venha, porque a gente já não tem mais o pique de 20 anos de se jogar e comer arroz com ovo para que as coisas aconteçam. Temos que nos agarrar na utopia, mas não ficar só na matéria do sonho.
A gente tem brincado muito que o tipo de problema que queremos ter é sobre “se fulano tem agenda para a viagem” e não uma violência em um supermercado. O problema tem que ser o “como está sua agenda?”, “ensaiou?”, “fez academia?”, “está se alimentando bem?”. Não quero falar da dor. A dor vai ser apresentada mesmo quando eu não quiser. Não quero falar do cansaço. Ele vai ser apresentado mesmo quando eu estiver fugindo dele. Então, eu quero falar de outras coisas. Quero pôr a flor no meio da mesa pra jantar com os meus amigos.”