Camisa de Vênus: uma noite de nostalgia no Araújo Vianna

Fotos: Michel Paz Cortez

Caminhava na Redenção quando vi um casal, ele aparentando já estar perto dos 50 anos, ela, um pouco menos. Os dois vestindo jeans e jaquetas de couro. Junto com os dois, uma menina, que parecia ser sua filha. Não devia ter nem 20 anos.
– Essa banda é antiga mesmo, né? Só vejo gente mais velha…

Mais adiante, dois sujeitos lamentavam a “bunda-molice” que tomou conta do rock brasileiro e suspiravam ao falar sobre os “bons tempos da Osvaldo Aranha”. Não muito longe, enquanto fumava ao lado de duas amigas, uma mulher calculava, baseada na idade da filha, a última vez que viu uma banda de “rock anos 80” ao vivo.

No caminho para o Araújo Vianna, várias conversas como essas serviam para lembrar que estávamos indo para um show envolto em nostalgia. Um Camisa de Vênus remontado para comemorar seus 35 anos? Põe nostalgia nisso.

O bom público do auditório na sexta-feira à noite, mesmo com ingressos que batiam na casa dos R$ 200, provou que a banda ainda desperta interesse. Com o cenário rock de hoje em dia, o Camisa terá de suar a camisa (foi mal pelo trocadilho)  para arrebanhar novos seguidores, mas os que conquistou nos anos 80 permanecem fiéis, a ponto de relevar que um outro Camisa de Vênus, a cargo dos guitarristas Karl Franz Hummel e Gustavo Mullem, estava na ativa antes de Marcelo Nova convocar o baixista Robério Santana para a reunião do “seu” Camisa. Sem desmerecer os demais membros, o grupo não existe sem o polêmico frontman. Apesar de todo o imbróglio judicial e do jeitão de turnê caça-níqueis, era esse o Camisa de Vênus que os fãs queriam ver.

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Nada de cadeiras: de pé, fãs recebem o Camisa aos gritos de “bota pra fudê!”

Acompanhados de uma banda bastante jovem – nas guitarras, Drake Nova, filho do vocalista, e Leandro Dalle, mais o batera Celio Glouster – os dois veteranos são recebidos com os tradicionais gritos de “bota pra fudê!” que antecedem a música de mesmo nome. É o suficiente para que o povo abandone as cadeiras.

Marcelo Nova pode até ser acusado de querer faturar uma grana fácil com esse retorno, mas não há como negar o entusiasmo do baiano ao cantar seus velhos sucessos, e o mesmo pode-se dizer de Robério. É verdade que a banda não precisa se esforçar muito para cativar o público, cuja empolgação vai crescendo na medida que se sucedem hits como “Hoje”, “Bete Morreu”, “Rosto e Aeroportos” e a impagável “Deus, me Dê Grana”. O jogo estava ganho antes mesmo de começar.

Comunicativo, Nova relembra da histórica apresentação de 1984 em Porto Alegre, quando, mesmo boicotada pelas rádios, sua banda colocou 7 mil pessoas no mesmo Araújo Vianna. “É bom estar de volta depois de tanto tempo”, diz. “Porra, já faz mais de 30 anos!”, grita alguém do meu lado. Por um instante, fico imaginando como seria aquele show, possivelmente um elo perdido entre o punk e o pop rock no Brasil.

Não há mais tempo para devaneios, porque a sucessão de hits não para. “Gotham City”, “Passatempo” e “Negue” mantêm a plateia em ebulição, mas na introspectiva “A Ferro e Fogo”, o público, já meio cansado, aproveita pra sentar novamente. A folga dura pouco: basta o vocalista mencionar sua primeira parceria com o conterrâneo Raul Seixas, “Muita Estrela, Pouca Constelação”, para todos se levantarem novamente.

Um dos grandes momentos da noite, “Só o Fim” é cantada praticamente inteira pelos fãs. No final, Nova agradece o coral de forma típica. “Estão todos contratados, seus filhos da puta!”, avisa, em meio a risadas.

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Comunicativo, Marcelo Nova mostra que ainda tem bom domínio de palco

Após “O Adventista” e a versão brasileira de “My Way”, de Frank Sinatra (ou seria Sid Vicious?), o vocalista anuncia que não deixará o palco para o bis. “O cara vai pro camarim, shhhhh (faz um barulho com o nariz como se estivesse cheirando cocaína)  e volta, tá tudo combinado. Não precisamos disso”. Dado o recado, emenda “Simca Chambord” com um trecho de “O Ponteiro Tá Subindo”, única faixa de Quem É Você? (1996), último disco de estúdio do Camisa, presente no show.

Quase ao final, a polêmica “Sílvia” é cantada em uníssono. Essa música dificilmente obteria êxito hoje por conta de sua letra machista, mas, nos anos 80, parece que o povo não tinha lá muita noção disso­. E dá-lhe “Sílvia/Piranha, Sílvia/Piranha” no refrão. Por um momento, imagino um sorriso amarelo em todas as Sílvias da plateia.

O show se encerra com a inevitável “Eu Não Matei Joana D’Arc”, Marcelo Nova no meio da pista e o povo em chamas, vivendo os últimos minutos de uma noite para lembrar como era bom ser jovem, rebelde e irresponsável. Apesar da desconfiança inicial, o Camisa de Vênus atual cumpre o que promete, fazendo um show competente e despertando nos velhos fãs aquela sensação de “tempo bom que não volta nunca mais”. Nada mal para uma turnê caça-níqueis…

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