Festival de Gramado entre Rio de Janeiro e São Paulo

FOTOS Fernando Halal

O Festival de Cinema de Gramado é conhecido por ser um dos mais importantes do Brasil, sendo responsável por exibir o que há de melhor no cinema nacional. Se por um lado, Gramado é considerado um dos mais cruciais dentro do sistema cinematográfico brasileiro, por outro aparenta se manter quase que fechado ao circuito de produções do Rio de Janeiro e São Paulo nesta edição.

Na Coletiva de Imprensa do 43º Festival de Cinema de Gramado, que aconteceu no último dia 30, na Cinemateca Capitólio, foram apresentados os concorrentes das categorias Longa Brasileira, Longa Estrangeiro, Curta Brasileiro e Curta Gaúcho. Rubens Ewald Filho, Eva Piwowarski e Marcos Santuário são os responsáveis pela curadoria das competições de longa. Das oito produções que vão ser exibidas na Mostra Longas Brasileiros, três são do Rio de Janeiro (Introdução à música do sangue, de Luiz Carlos Lacerda, O fim e os meios, de Murilo Salles, e Um homem só, de Claudia Jouvin), dois de São Paulo (Ausência, de Chico Teixeira, e Que horas ela volta?, de Anna Muylaert), dois do Distrito Federal (O outro lado do paraíso, de André Ristum, e O último cine drive-in, de Iberê Carvalho) e um do Rio Grande do Sul (Ponto zero, de José Pedro Goulart). A curadoria assistiu, no total, a 124 filmes.

De acordo Rubens, dois terços do total de filmes vistos “são muito ruins”. O que nos faz indagar: será que só São Paulo e Rio de Janeiro fazem filmes de qualidade? E os longas Pernambucanos que a crítica tanto aplaude, não são bons o suficiente para serem exibidos em Gramado ou seus diretores não se preocuparam em inscrever seus filmes? Os demais Estados brasileiros estão, de fato, tão atrás de Rio de Janeiro e São Paulo? Dos 15 curtas brasileiros que irão competir, seis são de São Paulo – sendo um deles uma parceria com o Estado de Goiás -, dois do Rio Grande do Sul, e Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Pernambuco tem um curta cada.

Isso é preocupante. Se for prepotência de Rubens, essa é uma questão que tem que ser melhor analisada pelos organizadores do evento. Porém, se o que ele disse for uma realidade, nós temos que rever a nossa produção cinematográfica, desde as leis de incentivo até a distribuição e exibição. É fato que a cultura sempre é um dos primeiros pontos a serem cortados em qualquer lugar, desde investimentos do Governo até os veículos de comunicação. E quando os Editais são lançados, grandes empresas se apropriam de uma “brecha”, para se beneficiar e produzir seus longas-metragens. Na teoria, esses incentivos são feitos para pessoas físicas ou jurídicas que realmente precisam. E ainda tem a questão da distribuição dos filmes brasileiros que, em sua maioria, são restritos a médias e pequenas salas de exibição.

Quanto às outras duas competições, a de Longas Estrangeiros possui sete filmes. Muito diferente da mostra principal, está irá exibir um filme de cada país: Argentina, Cuba, Colômbia, Costa Rica, Equador, México e Uruguai. Já na Mostra de Curtas Gaúchos, serão 17 concorrente. É importante destacar o curta de Cristian Verardi, Nes Pás Projeter, que é único no estilo Gore em todo o Festival.

Abaixo segue a entrevista com Rubens Ewald Filho.

 Nonada – Qual a diferença do Festival de 2014 para o de 2015?

Rubens Ewald Filho – Gramado teve uma fase de tapete vermelho, em que era mais valorizada a presença das meninas e galãs da Rede Globo, que eram contratados para vir. Recebiam cachê. Isso tudo para dizer: Temos estrela em gramado. Eu não tô criticando, porque de uma certa maneira foi o que atraiu o nome para Gramado. Essas pessoas tiravam foto etc e tals. E foi isso que transformou o nome de Gramado em uma atração internacional para tudo. Gramado é a mesma coisa que Cannes. Cannes é uma cidade pequenininha da Riviera, e igual a ela existem, pelo menos, umas 40. No entanto, Cannes teve a ideia de transformá-la em a Cidade dos Festivais. Semana passada aconteceu lá o Festival de Publicidade. Ela deu uma identidade que ganhou notoriedade internacional. E Gramado é mais ou menos a mesma coisa. Então o cinema começou de uma forma bem modesta e, graças ao privilégio da cidade, que é muito bonita e agradável, ajudou a trazer visibilidade. E foi um tipo de cinema que se fazia mais na época, que eram filmes comerciais bons.

Hoje, no Brasil, filme comercial virou palavrão. Fazem as comédias, as pessoas tem raiva delas, às vezes com razão, às vezes sem, porque há comédias boas que a crítica não consegue reconhecer. Mas o brasileiro tinha e tem uma necessidade cada vez maior de rir. Não está fácil viver. E aí você tem o preço do ingresso no cinema, que em São Paulo custa R$ 30, sendo que a pessoa pode assinar o Netflix. E mesmo que a pessoa pague metade, ainda acho muito pesado. E por que a pessoa iria gastar pra ver um filme brasileiro que não vai lhe fazer rir? As pessoas saem insatisfeitas. E como eu vou explicar para um cineasta que ele não satisfaz com a história que está sendo contada na tela? Não posso falar isso pra ele. Isso tem que vir dele. Ele tem que contar a história da melhor forma possível. E infelizmente os filmes são extremamente lentos, difíceis e que não é o público que gasta pra ir ao cinema. Ele vai comprar o pirata. E me cobram demais: “Por que o cinema brasileiro é assim ou dessa forma? ou “Por que os editores montam de forma tão lenta?” Não é o editor, é o diretor que fez assim.

O Brasil, que é um país tão elétrico, rápido, ágil, jovem e vibrante, faz um cinema chato e lento. Não tô entrando no mérito, tem muitos que eu gosto. Mas eu tenho outra formação cinematográfica, uma bagagem pra entender porque o filme é assim. Mas o público quer um filme mais ágil, mais perto dele. Então, a diferença é que não é mais assim. Não se paga mais ninguém pra vir. Nós exibimos o filme que consideramos melhor, não o mais chato, nem o mais comercial. Estamos trazendo os melhores filmes disponíveis no momento. É isso que fazemos. E Gramado adquiriu uma mentalidade de que o Festival não pode parar, tem que ser construído e não lucrar com isso, pessoalmente. E isso de ensinar as crianças, e fazer o curso de cinema lá é uma coisa legal de fazer, muda o fulcro da coisa. E hoje em dia, Gramado luta para ser o melhor Festival. Eu já acho que Gramado já é o melhor Festival do Brasil. Se você pegar os mais importantes: Brasília é insuportável, só passa filme inédito que ninguém quer passar; Recife que era bom, mas esse ano faliu, só passou filme ruim. Eles tentaram exibir filme internacional, mas não souberam separar as coisas. Ceará é comunista, só passa coisa antiga. Tem SP e RJ que são um outro tipo de Festival e “Tudo é Verdade”, que é muito bom, mas é só documentário.

Nonada – Qual foi o critério para escolher esses oito filmes no lugar de tantos outros?

Ewald Filho – Se você visse, meu caro, você não teria a menor dúvida. Porque a gente vê coisas que Deus duvida. Então, 2/3 porque nós temos que ver. Mas esses são muito ruins. Tem muita coisa ruim ou inapropriada. Teve um que a gente gostou, mas foi feito por uma TV regional sobre reportagem. A denúncia é até interessante, mas é mal feita e não se aplica aqui. Não tem como passar um filme feito por uma TV do interior. É muito claro que tem muitos filmes iniciantes, então na verdade, sobrou 12 ou 13 filmes que poderiam estar na competição. E tivemos que escolher esses. Então, a escolha é feita com experiência e com o que Gramado está gostando de ver. Ou seja, ela gosta de filmes bons, com histórias bem contadas e que não sejam insuportavelmente chatas. É isso.

Nonada – Você comentou na coletiva que hoje em dia os festivais ao redor do mundo estão cobrando dos diretores o ineditismo. Você acha que o diretor preferir escolher um festival de outro país, no lugar de um nacional, é uma forma dele menosprezar os festivais brasileiros?

Ewald Filho – Não, não. De forma alguma. Eu não acho que é menosprezar ninguém. Porque se ele for pra Cannes, Veneza ou Sundance, ótimo pra ele. Maravilhoso. Não vejo nada de errado. Vai ajudar em uma carreira internacional. Mas não ajuda aqui no Brasil inicialmente porque ele acaba concorrendo com a gente nesse momento. Eu poderia ter tido, pelo menos, uns três filmes inéditos a mais no Festival se eles não estivessem concorrendo em outros Festivais internacionais. Então, eu não acho que é menosprezar. O sol é para todos. Eles tem que lutar por um espaço no exterior. No fundo, o que está acontecendo muito hoje é que as pessoas estão querendo ir trabalhar nos EUA. O diretor de Colegas, que ganhou aqui e depois em outro Festival, abriu escritórios nos EUA e está trabalhando lá. As oportunidades são fáceis, são maiores. Você viu como eles chamam um diretor jovem pra fazer o Jurassic World? O Cidades de Papel, que vai estrear agora, tem um diretor com apenas um filme no currículo. Os seus filmes servem como portfólio.

Nonada – O cinema brasileiro já teve sua era de ouro como um dos cinemas mais importantes do mundo. Depois de Collor, o cinema caiu de produção. E aos poucos estamos começando a produzir mais filmes. Você acha que o cinema brasileiro está perto de voltar a ser uma potência cinematografia? Você considera o cinema brasileiro um dos melhores do mundo?

Ewald Filho – Sabe o que eu acho? Que por algum motivo o Festival de Cannes tem esnobado o Brasil. Alguma coisa aconteceu. Eu fui 24 anos seguido à Cannes. Antes era um berço brasileiro, hoje só tem entrada pro Walter Salles. E o Meirelles não tem feito filme pra Festival Internacional. Ele faz séries agora. E só Berlim você vê todo ano dando algo para o Brasil. Veneza é uma zona, não tem critério algum. O Sundance não tem esse critério ruim, eles exibem o que tem de melhor no mundo. Então, se eu considero o cinema brasileiro atual como um dos melhores? (pausa). Não sei te dizer. Porque eu tenho visto casa filme de arte europeu horroroso. Eu achei que o filme argentino desse ano (Relatos Selvagens) deveria ter ganho o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, por exemplo, e não o Polonês (Ida). O melhor diretor jovem que eu conheço é o canadense que fez Mommy, que é o meu filme favorito da nova safra de diretores. E nós não temos nenhum filme no nível de Mommy, ou como os argentinos fizeram esse ano. Então, infelizmente, eu acho que o cinema brasileiro precisa dar essa esquentada. Mas isso é feito com ajuda do Governo. Nesses países, eles mandam o ministro conversar com o pessoal dos festivais. E o caos que é o Brasil atual, e já digo isso há alguns anos, prejudica o cinema brasileiro.

Nonada – E o que você acha que falta então?

Ewald Filho – Não sei. Você considera Olimpíada cultura? Olimpíada ano que vem vai ser um grande evento, todos os investimentos estão voltados pra ele. Se é bom ou mau, eu não sei. Acredito que é uma coisa muito forte pro mundo inteiro. Pode acontecer um desastre como aconteceu na Copa do Mundo. Lá fora é falado, aqui dentro é minimizado. Em 1950 ficaram com vergonha, agora nem isso ficaram. Acho que isso fala bem o que é o Brasil.

Nonada – Você foi pra mim a primeira figura de um crítico que eu vi, quando eu via o canal TNT ou Telecine. Foi quando eu percebi que existia alguém que fala sobre os filmes. E, acredito eu, que você foi responsável por influenciar a vida de muitas outras pessoas. E como você se sente com essa responsabilidade?

Ewald Filho – A gente sente, no momento, que tudo que foi feito foi inútil, quando você vê um blog nada a ver. Eu já estou pro fim da minha carreira e cadê meu seguidor? Era o Pablo Villaça? Sim, mas médio. Detonou o site dele. Cadê eles? Cadê os filhos? E em um momento eu até tentei fazer um programa com o Pablo, mas não conseguimos patrocínio. Não rolou. Na verdade, o que me dá alegria é o que fez o rapaz que estava aqui agora há pouco. Ele me disse que eu fui o responsável por fazer ele gostar de cinema. Antes de você nascer, eu tinha um programa na TV  Globo, eu fiquei 12 anos lá. Eu fui na Globo o único que falava de cinema. Eu dizia, por exemplo, que Stallone é ruim. Eu fiquei lá do final dos anos 70 até o Collor ser eleito. Depois fui pra TV paga. Uma das razões que me colocaram na Globo, e nunca ninguém fala isso, é que eu falava mal de alguma coisa. TV Globo não fala mal de nada. Nem na época, nem aqui. Em parte, naquela época era censura e não deixavam falar. E sabia que ia liberar os filmes ditos proibidos pela ditadura. E eu voltava a comentar eles. Então, eu gerei cineastas. E isso é uma coisa que não tem preço. Que bom que eu fiz isso, porque não foi jogado fora tudo que eu fiz. Porque se não, poderia ter sido.

Mais: confira nossa entrevista com Pablo Villaça.

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