A fauna independente do RS

Foto de capa: Josué Monteiro/Nonada

Segundo o dicionário, ser independente é ter autonomia, não se deixar submeter, não ter interesse por seguir o modo de vida convencional, manter-se livre de influências. Essa maneira de olhar a vida e o mundo, pode parecer conturbada quando vivemos em meio a um sistema que nos diz que o certo é estudar, escolher uma profissão e depois casar, ter filhos e esperar a aposentadoria – para, então, fazer o que quiser.

Seja fotógrafo, músico, vídeo maker, produtor cultural ou multimídia, como você preferir chamar. Foi na dúvida de como chamá-lo que encontrei Leo Caobelli, o idealizador do festival Fauna, que ocorreu nos dias 19 e 20/11 reunindo 11 bandas independentes do RS, em Porto Alegre.

De instrumental com pegada afrobeat a surf music e um toque nativista, as bandas selecionadas tocaram no Barraco Cultural, espaço de coworking onde funciona a Calma Lab, realizadora do evento.

Nascido em Pelotas – RS e formado em Jornalismo, mas apaixonado por fotografia, conversei com Caobelli, no primeiro dia do evento, para entender melhor a ideia do “mapa sonoro” criado pelo Fauna.

O início

A trajetória das bandas é contada no site oficial do projeto (Foto: Carol Corso/Nonada)

O projeto do Fauna começou como um embrião do curta documental Doble Chapa, dos coletivos Garapa (Brasil) e Dokumental (Uruguai). Em 2013, o curta começou a tomar forma com Caobelli e dois produtores uruguaios viajando de carro pela fronteira entre RS e Uruguai – da Barra do Chuí a Barra do Quaraí, com o objetivo de perceber e documentar em vídeo as diferenças da região. O roteiro do curta era de viagem e, segundo Caobelli, por ser tão sensorial, o som acabou sendo importante. A atmosfera sonora e visual de cada local foi percebida à medida que o caminho era percorrido, pois tudo mudava: o sotaque, os animais, a música.

Assim, surgiu a ideia de como seria fazer um mapeamento sonoro do nosso estado. “Como cada região soa? O que se ouve em cada lugar?” foram algumas perguntas que começaram a fazer parte do dia a dia de Caobelli, que com a ajuda de amigos compôs a trilha do documentário, que é repetitiva e minimalista, segundo o próprio.

O som voltou a ser importante para o então fotógrafo, que resolveu “enveredar” para a produção cultural com a ideia do festival e de criar um mapa sonoro do estado.

A curadoria

O essencial da curadoria dos artistas para compor o festival foi a geografia, buscando considerar todas regiões do RS, não apenas centros urbanos. Segundo Caobelli, para essa primeira edição, a curadoria foi bem subjetiva, pois o intuito era buscar um pluralismo, mostrando o que é música no estado atualmente, sem estereótipos gaudérios, sem puxar muito para o nativismo ou para o rock, que parecem ser o retrato sonoro presente no imaginário das pessoas quando se fala de “música gaúcha”. Por isso, todas as bandas selecionadas para o festival são independentes e experimentais, para podermos perceber esse cenário de uma forma mais realista, sem rótulos e olhando para tudo o que está sendo produzido no estado, não enxergando apenas o que está na mídia.

“Eu nunca quis ser curador de nada, mas quais são minhas preocupações como curador? Com certeza, a representatividade. Não só geográfica, mas de gênero também. Tivemos essa preocupação, por isso resolvemos colocar As Aventuras como a 11ª banda do festival. Para pensarmos não só em quem é o “homem do sul”, mas também na mulher e no que ela faz, o que ela toca.”

Para conhecer melhor as bandas que tocaram no Fauna, é só acessar fauna.art.br/artistas e conferir os vídeos feitos em parceria com a Calma Lab.

Grupo As Aventuras é uma das bandas selecionadas (Foto: Josué Monteiro/Nonada)


***

Tanto Doble Chapa quanto o Fauna puderam tomar forma devido a financiamentos públicos da Secretaria da Cultura da RS. O festival foi selecionado no edital Sonora, de 2014, com o projeto de experimentação musical multimídia, criando um mapa sonoro que culminou no evento. Segundo Caobelli, o fomento público é importante para o fazer artístico, pois mesmo projetos que sejam mais de nicho, como o Fauna, têm a chance de saírem do papel.

“Se não tivesse edital, muitos projetos de nicho não teriam espaço por falta de verbo e muitos são interessantes, mesmo que não seja pro grande público.”

Percebi que, mais do que criar um mapa sonoro e ser multimídia, o objetivo do festival também é aproximar as pessoas. Contando com uma edição pocket da feira de publicações independentes Papelera e foodtrucks, o evento atraiu não apenas o público interessado, mas também a vizinhança e algumas pessoas que passavam pela região. Acredito também que, por a equipe base do festival ser reduzida, composta de 4 pessoas: Leo Caobelli, Julia Assef, Vicente Carcuchinski e Sheila Uberti, o clima do Fauna se tornou mais intimista e acolhedor.

Feira de artes gráficas fez parte do evento (Foto: Josué Monteiro/Nonada)

Durante minha conversa com Caobelli também falamos da importância da cultura digital, que nos faz perceber que, além do download, podemos também fazer upload, colocar informações na rede, produzir conteúdo. Assim, deixamos de ser consumidores passivos e começamos a ativar redes, criar coisas e nos conectar a pessoas de diferentes lugares. O público agora está espalhado por vários lugares, por isso que a plataforma do Fauna é importante para termos acesso ao que é produzido no estado em termos de música.

Ser independente também é isso. É criar coisas diferentes e conhecer vários tipos de pessoas: fotógrafos, músicos, jornalistas, ou também quem não se encaixa em rótulo nenhum e só experimenta fazer.

Confira mais fotos:

Foto: Carol Corso/Nonada
Foto: Josué Monteiro/Nonada
Foto: Carol Corso/Nonada
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