O Cinema Novo expandido

Em seu quinto documentário, Eryk Rocha aborda o movimento cinematográfico que dá nome ao filme. Foto: Divulgação
Em seu quinto documentário, Eryk Rocha aborda o movimento cinematográfico que dá nome ao filme. Foto: Divulgação

Por Felipe Rangel

Cinema Novo (2016), o maior e mais importante movimento cinematográfico brasileiro, recebe um novo diálogo a partir de Eryk Rocha. Depois de tantos grandes autores discutirem sobre o movimento na literatura, agora a reflexão vem pelo meio do qual realmente lhe faltava e muito merecia: o próprio cinema.

Neste quesito o diretor consegue se utilizar da linguagem de maneira exitosa e respeitando, se podemos dizer assim, a ideia do movimento. Não vemos um documentário clássico de forma e conteúdo utilizado e desgastado que tanto conhecemos. O que se projeta na tela é um filme de montagem, ou seja, todas as cenas e planos que vemos são dos trabalhos produzidos pelo próprio Cinema Novo ou de imagens de arquivos e entrevistas antigas, mas sem nenhuma filmagem recente ou narração. A intervenção maior é a trilha sonora da qual joga com várias referências destes filmes, porém com uma nova reformulação. Eryk Rocha também insere entrevistas recentes feitas com os diretores, tudo em áudio. Portanto a película se constitui como uma grande colagem de cenas que se dialogam tentando explorar pelo que foi feito, compreender vendo e não teorizando o cinema, sendo tudo realizado a partir de uma excelente montagem.

A obra segue uma linha tênue de temporalidade, indo aos primórdios do movimento ao resgatar Humberto Mauro, a formação do grupo e a dissolução deste na ditadura. Mas para por aí. Não existe nenhuma tentativa de explicação, entendimento ou análise explícita que nos guie. O que nos é proposto como espectadores é encarar as imagens e cenas destes filmes, extrair e perceber o visual – conhecer pelo nosso olhar – construindo assim um longa metragem muito sensorial, o que vejo como um grande mérito. Essa escolha também nos ajuda na percepção das estéticas e suas dinâmicas nos diversos planos cinematográficos, com suas sintonias e divergências entres esses artistas, assim como temas, personagens e espaços recorrentes. Enfim, uma experiência audiovisual por completo.

Eryk Rocha opta por combinar entrevistas e trechos de filmes do movimento que dá nome ao seu documentário. Foto: Divulgação
Eryk Rocha opta por combinar entrevistas e trechos de filmes do movimento que dá nome ao seu documentário. Foto: Divulgação

O Cinema Novo tem um papel fundamental na nossa história, pois é pela primeira vez que o Brasil e o brasileiro se veem na tela do cinema, começam a produzir sua imagem, a se conhecer e reconhecer. Até aquele momento as chanchadas e tentativas de industrialização do cinema dominaram as produções brasileiras, mas todas desconexas com a realidade do país. Fora disso, o que prevalecia ainda mais nas salas eram as produções estrangeiras que mostravam um outro contexto, um outro mundo. Os realizadores do Cinema Novo manipularam o cinema mostrando que eles viam no Brasil, utilizando o grande poder e importância dessa nova linguagem, em uma proposta nova de estética na busca de outras formas para representar, perceber e entender o país. Toda uma geração discutiu sobre problemas sociais, se engajou e se expressou pelo cinema sendo um meio de comunicação que tomou importância, impacto e autenticidade brasileira. O filme do Eryk Rocha traz toda essa proposição que o movimento tinha como princípio a partir de um diálogo direto com esses longas produzidos na época.

Ao fim, a obra nos mostra como o Cinema Novo ainda tem muito a ser explorado e assimilado e que o cinema brasileiro contemporâneo ainda passa por problemas parecidos na distribuição, como estar nas mãos das grandes produtoras, ou das salas de cinema que continuam não sendo “casas livres”, como diz Leon Hirszman, principalmente hoje onde a maioria se encontra em shoppings. Retomar o movimento do Cinema Novo hoje é repensar o nosso cinema atual. Se naquele momento a sétima arte teve papel importantíssimo para descobrir um Brasil não noticiado, como nos relacionamos com o cinema hoje?

O filme estreou dia 10 de novembro, quinta-feira, no Cinebancários.

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