Acusação contra Glenn Greenwald fere a liberdade de imprensa em um país já com tantas feridas

O Brasil registrou, em 2019, 208 ataques a veículos de comunicação e jornalistas, um aumento de 54% em relação a 2018. Os dados são da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) que, pela primeira vez, contabilizou em seu relatório anual as tentativas de descredibilização da imprensa, uma vez que se tornou quase uma prática institucionalizada por meio das falas e discursos do presidente da república. Do total, 114 casos foram de descredibilização da imprensa e 94 de agressões diretas a profissionais.  De acordo com o relatório, é a postura do presidente da República que mostra que a liberdade de imprensa está ameaçada.

 Neste 21 de janeiro, aconteceu mais um atentado ao jornalismo brasileiro. O Ministério Público Federal (MPF) denunciou sete pessoas e, entre elas, o jornalista e fundador do site The Intercept, por supostos crimes relacionados à invasão de celulares de autoridades brasileira. A denúncia contra Greenwald, ocorrida no âmbito da Operação Spoofing, acontece apesar de o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ter proibido investigações sobre o jornalista, em agosto passado, sob o risco de ferir a liberdade de imprensa. A íntegra da denúncia pode ser lida aqui O atentado aconteceu um dia após o “superministro” Sérgio Moro ter afirmado em sabatina no Programa Roda Viva  de que não havia perseguição à liberdade de imprensa. 

Sabe-se que não há prática jornalística importante que se sustente sem uma apuração rigorosa e para isso, muitas vezes, utiliza-se fontes não-oficiais; ora, não se faz jornalismo baseado apenas em releases, em ouvir autoridades, participando apenas de coletivas de imprensa. O que seriam de vários casos famosos e que mudaram os rumos dos acontecimentos no mundo sem as fontes oficiais, desde Watergate até o caso envolvendo o próprio Glenn em relação às revelações de Snowden? Mais do que isso, observamos no Brasil dos últimos anos uma guinada à uma obscuridade carregada de ideologias reacionárias e que escondem por trás disso um desejo malfadado de impor uma única visão de mundo, uma única visão de sociedade, logo, uma única “verdade” – e é aí que o jornalismo entra. Não há uma única verdade, assim como não há apenas dois lados. Somos complexos, assim como o mundo é. E a liberdade é essencial para permitir que a nossa complexidade como sociedade evolua. 

O atentado à imprensa, porque é um atentado a série de reportagens Vaza-Jato,  é apenas mais uma das áreas que sofre no Governo Bolsonaro. O Meio Ambiente parece ter retrocedido em suas políticas e se afasta das resoluções que a maioria dos países estão tomando sobre sustentabilidade; a Cultura é cada vez mais escanteada, em um processo de política dirigista e que criminaliza os artistas, além das inspirações ridículas do nazismo; e a Economia se apoia em discursos de empreendedorismos forçados. Só para citar essas três grandes áreas. Não é isolado. Não é algo pontual. É orquestrado e em diversos setores. O que fazer? 

Não há resposta simples, mas há tentativas de aproximação. Falando sobre o jornalismo, aconteceu em dezembro o 2º Encontro Nacional de Proteção a Jornalistas e Comunicadores, que reuniu, pelo menos, um comunicador ou jornalista de cada estado da Federação – e o Nonada – Jornalismo Travessia foi o representante do Rio Grande do Sul. Muito do que foi desenvolvido durante aqueles dias surgirá nos próximos momentos, pois ainda está se organizando toda as deliberações. Acredito, porém, que o princípio inicial seja o de se construir redes de apoio e de suporte em cada localidade, porque o que está acontecendo promete não parar agora.

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