Foto: Instituto Procomum/divulgação

Organizações do sul global que lutam por Justiça Climática se reúnem em encontro baseado na política do cuidado

O trabalho de ONGs e coletivos de países do Sul Global que atuam em questões climáticas e sociais têm semelhanças. Em agosto, 36 participantes de organizações localizadas em 15 países da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia se reuniram em Santos, São Paulo, para trocar experiências e metodologias sobre suas atuações no terceiro setor de seus países. 

O encontro Sul x Sul: As periferias no Centro da Justiça Climática e do Bem Viver reuniu comunicadores, organizadores, criativos e ativistas com propósitos em comum relacionados à luta por justiça climática e a atuação conectada aos direitos humanos. O encontro foi organizado pelo Instituto Procomum, em parceria com a UMI Fund, uma organização internacional dedicada a apoiar projetos inovadores para a justiça climática. O Nonada foi uma das organizações convidadas para o evento. 

Divya Narayanan, gestora indiana formada em saúde pública e direitos humanas, participou do LAB. Ela é diretora executiva da Jhatkaa, uma organização especializada na mobilização da população indiana para causas relacionadas às mudanças climáticas e desigualdades sociais e de gênero. “Jhatkaa” é uma palavra em Hindu que significa “chacoalhar” ou “sacudir”. O termo também representa o som do movimento e significa o questionamento de status quo feito pelo trabalho da organização. O principal meio de atuação realizado é a articulação de campanhas, petições e trabalhos com a mídia para tornar a democracia acessível no país. Desde 2012, a organização atua engajando as pessoas em 3 frentes: justiça climática, igualdade social e econômica; e equidade de gênero. 

No encontro Sul x Sul, Divya destacou a presença de agentes sociais e culturais de diferentes continentes a partir de perspectivas decoloniais. “Foi muito interessante perceber a diversidade do grupo. Fez muito diferença estar com pessoas apenas do Sul Global, pois não estávamos partindo de uma perspectiva eurocêntrica”, conta. Para ela, o debate com ONGs se centrou em compartilhar quais as mensagens e os caminhos que as estão trilhando. Há 12 anos, Divya atua integralmente no terceiro setor. A ativista acredita que organizações não-governamentais têm em mãos a possibilidade de imaginar outros futuros e soluções que escapam do pensamento corporativista. “As organizações não-governamentais proporcionam espaços em que as pessoas podem se reunir, criar redes de solidariedade e imaginar outros futuros.” 

(Foto: @olharmarginal/divulgação)

A ida ao encontro realizado pelo Procumum foi a primeira vez de Divya em um país da América do Sul. Embora viva na Índia, e já tenha viajado a diversos países em a trabalho, ela conta que se surpreendeu ao perceber as semelhanças entre o Brasil e o seu país natal. Durante os cinco dias de evento, os participantes, além de debates, encontros com financiadores, desenvolvimento de protótipos, poderem usufruir da Tenda do Cuidado, um espaço erguido no pátio da sede do LAB Procomum, em que a qualquer momento do dia podiam receber uma massagem ou ter uma escuta de sonhos. 

Um espaço dedicado ao bem-estar de quem participa das atividades é uma prática integrativa adotada em outras iniciativas do Instituto, como no projeto La Cuida, realizado em 2023, que reuniu iniciativas atreladas à Economia do Cuidado (agroecologia, cozinhas comunitárias, festas populares, defesa dos direitos humanos e de populações tradicionais, entre outras) de países latino-americanos. Como uma prática estabelecida,  o Procomum mantém uma equipe especializada no cuidado – que é diferente de saúde, responsável por garantir que os participantes estejam se sentindo confortáveis durante as ativiadades. No Sul x Sul, a equipe de cuidado promoveu aulas de forró e canoagem para os participantes, trabalhando em uma lógica “contra-produtivista”, cultivada por tradições não-ocidentais. 

Diviya conta que o fato de ter uma equipe preocupada em “checar” como cada pessoa estava, respeitando os limites individuais – nenhuma atividade era obrigatória –, fez com que ela se sentisse pertencente. “Eu me senti em casa, porque no evento havia uma abundância de comidas, algo que me lembrou muito a relação que temos com a comida”, comentou. “Além disso, houve uma ênfase em como precisamos cuidar de nós mesmo antes de cuidar de outros, como nossas equipe nas organizações.”

A ativista indiana Divya Narayanan (Foto: @olharmarginal/divulgação)

A diretora-executiva institucional do Instituto Procomum, Georgia Nicolau, explica que a ideia para o projeto surgiu a partir de laboratórios anteriores realizados pelo instituto. Desde 2016, a organização desenvolve projetos que fomentam iniciativas, pesquisas, mentorias, e  encontros que defendem os bens comuns (seja na natureza, na economia, na ciência, na educação, na tecnologia ou na cultura). A política de cuidado construída ao longo dos anos é resultado das próprias referências de pensamento que orientam a atuação da equipe:  “O Procomum é muito conectado à cosmovisão afro-latina sobre o que significa o comum”, explica  Georgia. Lélia Gonzalez, Bianca Santana, Antônio Bispo dos Santos são alguns dos pensadores que embasam o fazer. “Você não consegue imaginar futuros, se você não tiver o cuidado no centro”, reforça Georgia. 

O planejamento do evento envolveu uma concepção de que as organizações da sociedade civil têm muito o que aprender umas com as outras, pois atuam de formas transversais na luta por justiça climática. Participantes de todas as regiões do país estiveram presentes, podendo dialogar com gestores e ativistas de países como o Chile, o México, a Colômbia, a África do Sul,o Quênia e o Líbano. O Sul x Sul é, segundo Georgia, um momento de reflexão para que as próprias organizações possam ter um tempo de olhar para si enquanto produtoras de saberes. Segundo ela, há muito conhecimento produzido pelo terceiro setor que, muitas vezes, não é sistematizado ou registrado para memória. 

“No encontro com o outro, você compreende mais sobre o que você é capaz de expandir em suas formas de atuação. Isso é muito engrandecedor”, explica a diretora sobre as dinâmicas do Sul x Sul. “As organizações não-governamentais carregam em si muito conhecimento sobre coletividade, soluções e arranjos próprios.” Para Georgia, os efeitos dos encontros vêm a longo prazo, mas  já podem ser percebidos por conexões afetivas que se formaram e contatos profissionais que podem gerar projetos futuros entre as diferentes Ongs.” 

O educomunicador Walter Oliveira (Foto: @olharmarginal/divulgação)
Valorização do território 

Walter Oliveira da Silva, educomunicador indígena do povo Kumaruara, é fundador do Coletivo Jovem Tapajônico, uma organização voltada a multiplicar informações a jovens indígenas sobre meio ambiente, política, gênero, sexualidade, territórios e cultura. Para ele, a participação no LAB proporcionou o reconhecimento do território como lugar principal de reflexão. Para além das diferenças culturais, Walter destaca que a sociedade civil organizada passa por desafios e compartilha potencialidades em todo Sul Global.

“O que mais me marcou foi a troca com pessoas de outros países. São tantas coisas acontecendo no mundo e, muitas vezes, a gente acredita que só nós estamos passando”, conta Walter. Ele destaca que a conversa com os financiadores, representantes de fundos, foi importante para ele apresentar o coletivo. “O diálogo é importante para que os financiadores entendam a dinâmica de cada território, de cada língua, porque muitas vezes não conseguimos acessar os projetos por conta de burocracias.”

Para o comunicador, a política do cuidado só pode ser efetivada se for em diálogo com a juventude. O coletivo atua na informação a jovens indígenas sobre seus direitos, incentivando uma atuação política e cidadã, como a escolha de candidatos durante as eleições, e a produção de conteúdos para jovens. Em Santarém (PA), onde reside e atua, as disputas estão constantemente em pauta. “A nossa atuação dentro do território vem do protagonismo juvenil através da formação e informação. Trabalhamos em um território que um lado é mineradora e outro é a monocultura da soja. No meio, é um rio que escorre sangue nosso e nossos parentes.”

Um dos projetos do Coletivo Tapajônico é a Piracaia de Saberes e o Festival Piracaião, momentos em que diversos temas relacionados ao território, sobre política e clima são abordados com jovens. Piracaia, na língua indígena Tupi, significa peixe assado, uma tradição dos povos originários que busca agregar conhecidos para celebrar o alimento. Os encontros são conduzidos pelas lideranças locais que incentivam os jovens a se apropriarem dos próprios saberes para suas tomadas de decisões. O Coletivo também atua em uma perspectiva expandida de educação indígena. 

“Nós sabemos que a geografia, a história e a matemática estão muito dentro do nosso território, mas como fazer com que os professores enxerguem isso?”, explica Walter. “Não precisamos ir muito longe para buscar. As pessoas mais velhas são bibliotecas vivas.” 

Representantes das organizações e integrantes do Instituto Procomum se reuniram em Santos (SP) (Foto: @olharmarginal/divulgação)

Para Rafael Gloria, diretor-executivo do Nonada, os cinco dias do LAB significaram um empoderamento para o trabalho já realizado por cada organização. Assim como para outros participantes, Rafael destacou o cuidado como política, a preocupação com a acessibilidade – já que todos os painéis eram traduzidos, e um incentivo a fazer acreditar no próprio trabalho. “Me impressionou conhecer projetos de outros lugares do mundo e perceber como as ONGs sofrem dos mesmos desafios que a gente, e que estão criando soluções para isso. Em um encontro como esse, notamos que as pessoas estão criando em todos os lugares formas de resistir e melhorar seus arredores”, resume. 

English version:
Clima e cultura Reportagem

Global South organizations fighting for Climate Justice gather at a meeting based on the policy of care

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Repórter do Nonada, é também artista visual. Tem especial interesse na escuta e escrita de processos artísticos, da cultura popular e da defesa dos diretos humanos.
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