Naine Terena*
Cuiabá (MT) – Nós precisamos ativar fóruns, articular redes e fortalecer movimentos sócio-culturais das periferias brasileiras. Essas são formas de exaltar as diferentes identidades e memórias. É também a partir da atuação em coletivo que surge o impulso de inúmeras Organizações da Sociedade Civil (OSC) e grupos independentes no Centro-Oeste do país.
Ainda que com dificuldades e necessidade de reorganização pós-pandemia e desmonte das políticas públicas para cultura, parece vigorar nesses locais o desejo de defender e provocar transformações nos territórios onde estão, sem deixar de defender as suas especificidades e o investimento em arte e cultura.
Provoquei três gestores de Organizações da sociedade civil, localizados na Região Centro-Oeste, com a famosa pergunta, que gosto muito de fazer para as pessoas e Instituições: ‘o que vocês pensam que estão fazendo?’ As respostas abaixo refletem um pouco do funcionamento de três locais que indico para visita:
Casarão das Artes, em Cuiabá (MT)

O Instituto Cultural Casarão das Artes é a resistência da cultura contra o vazio da exclusão, no maior bairro de Cuiabá (MT), o Pedra 90. O espaço cultural oferece bolsas de R$80 para os alunos das diferentes oportunidades de formação artístico-cultural implementadas no local, que tem como um dos lemas “fazer arte na comunidade”.
Tanto a história do Casarão, quanto dos jovens que o administra é um espelho da própria força da comunidade que vive no bairro. A oferta de atividades artísticas como Percussão, Dança de Salão, Stiletto, Professor Dança de Rua, Violão, Edição de Áudio e Vídeo, Canto, Dança Afro, Psicóloga/Terapeuta Comunitária possibilita que os alunos descubram novas formas de expressão e ampliem sua visão de mundo. Para financiar suas atividades, a equipe gestora se desdobra em buscar oportunidades a partir de Editais como um que visa o Fortalecimento Institucional, doações, entre outras possibilidades.
Vini Hoffmann, um dos fundadores, é incisivo ao dizer que o Casarão das Artes não é só um espaço cultural, é um território de resistência, transformação social e cultural para a Comunidade, que tem um histórico de criação baseado na reexistência de seus moradores.
“Nosso espaço é um importante ponto de acessibilidade cultural na periferia, democratizando o acesso às artes e fortalecendo os jovens e comunidade. Nossa missão é oferecer para crianças, jovens e adultos, a oportunidade de se empoderar, despertando seu senso crítico e visão de mundo, nosso espaço é um empoderamento da Periferia. A gente ensina arte, mas também constrói caminhos para uma vida mais digna”, conta Vini, explicando também que existe um contra-fluxo de mobilidade para as pessoas que saem de outros pontos da capital, devido à distância do bairro ao centro da cidade. Ele frisa que é no trajeto que as pessoas podem pensar sobre exclusão, afastamento, precariedade das vidas humanas, mas ao mesmo tempo, tira-se as atividades do centro urbano, para se viver a criatividade da periferia.
Centro Cultural Casa de Vó, na Chapada dos Guimarães (MT)

Localizado na Chapada dos Guimarães (MT) é um dos “guardiões da memória chapadense”. Segundo Carolina Barros, a importância da existência do centro é combater uma situação corrente. “Vivemos uma situação de memoricídio, como diz a pesquisadora Ruth Albernaz”, reflete Carolina Barros, sobre o que pensa que ela e sua equipe estão fazendo na cidade turística, cerca de 60 km da capital Cuiabá.
Com a proposta de ser guardião da memória afetiva dos lares e da história do município, o Centro Cultural Casa de Vó tem como método, o convite para que as pessoas entrem no espaço, como se estivessem no quintal da vó pra prosear, aprender e compartilhar. A Casa abriga árvores frutíferas,ervas aromáticas e medicinais como alecrim, hortelã e capim-cidreira. O local também recebe atividades culturais, projetos, encontros, como as aulas do Coloiado – Núcleo Jovem de Produção Cultural, que desenvolve habilidades de vida a partir do universo da produção cultural, promovendo formação cidadã, técnica e sensível para jovens da região.
A Casa também abriga ações voltadas para a Economia da Cultura, com cursos, capacitações e oficinas que fortalecem a autonomia criativa e econômica dos fazedores de cultura locais. O local é sede do Coletivo Malacriada de Artes, que atua com palhaçaria, teatro e contação de histórias, valorizando a linguagem cênica como ferramenta de expressão, afeto e transformação. O projeto Bora Passeá, que realiza o City Tour Histórico-Cultural, com foco na valorização da memória, do patrimônio material e imaterial da cidade é parceiro da Casa da Vó, assim como a Livraria da Cris, um espaço de coworking que favorece trocas interdisciplinares e uma programação afetiva que conecta cultura, educação, território e comunidade.
Entre seus encantos, o Centro Cultural também abriga a instalação site-specific "Tacuru da Tia Mariquinha", da artista Ruth Albernaz — uma obra que honra os saberes ancestrais e as presenças que moldam o território, estabelecendo diálogo direto com o quintal, o tempo e a memória viva do lugar. A instalação poderá ser visitada de maio de 2025 a 30 de março de 2026. Mais que um centro cultural, a Casa de Vó é lugar de permanência, de reencantamento com o cotidiano e de celebração da vida em comunidade.
Pé Vermelho, em Planaltina (DF)

João Angelini é artista e mobilizador de muitas frentes de arte e cultura. E a resposta para minha questão, dada por ele e o grupo de Gestores do Pé Vermelho, localizado em Planaltina no Distrito Federal, está na ponta da língua: “Entendemos que o que fazemos é um gesto de insurgência. Porque desobedecemos algumas determinações do que seria uma formação de artista e uma construção estratégica de carreira de artista (é comum alguns agentes considerarem nossos gestos burros, ou dizer que nós nos apequenamos). É insurgente por propor uma outra maneira de se formar artistas, público, mercado e um sistema de arte diante da lógica bandeirantista hegemônica.”
O Pé Vermelho, localizado em Planaltina (DF), é um espaço de produção, promoção e formação em artes, criado em 2017 por João Angelini, Marcela Campos e Luciana Paiva na cidade satélite de Brasília, cerca de 30km de distância do Plano Piloto. O local mantém uma programação regular composta por residências artísticas, shows, cursos, palestras, entre outras ações focadas nas mais diferentes linguagens artísticas a fim de formar e fortalecer um circuito de arte em Planaltina e no Centro Oeste.
O espaço nasce a partir de um intenso e real desejo dos artistas e produtores desta região, de se manter no mapa das produções e apoios culturais, a exemplo do sudeste do país, para onde muitos acabam migrando para ampliar as perspectivas de atuação e renda. A gestão do espaço promove atividades tanto para o atendimento de artistas locais, como para a população local, oferecendo aporte financeiro aos fazedores de cultura e uma programação pública voltada aos moradores da região.
“E isso se faz no movimento nós por nós”, explica Angelini. A partilha dos saberes e expertises, a construção de uma rede local, de formação e promoção de arte numa cidade que, até então, nunca tinha tido um espaço e grupo dedicado a pensar a arte contemporânea interessa o grupo. Poder contribuir para experiências artísticas por qualquer pessoa da região, sabendo que o direito a essa experiência não tem que ser exclusivo apenas para os que levam arte como profissão, mas para qualquer pessoa.

Naine Terena
Midialivrista, Mestre em artes, doutora em educação, graduada em Comunicação Social (UFMT). Mulher do povo Terena, é Pesquisadora, professora Universitária, curadora e artista educadora. Desde 2012 movimenta um empreendimento cultural chamado Oráculo comunicação, educação e cultura que fomenta ações no mercado sócio-cultural e produtos comunicacionais, que buscam impactar positivamente em seu entorno, buscando co-criar soluções para questões que envolvam o contemporâneo/cotidiano através da comunicação, arte e cultura. Visite o repositório (Prêmio Ms Cultura MT 2021) para conhecer um pouco mais das suas produções: https://oraculocomunica.eco.br/repositorio/