As alterações provocadas por BNegão e os Seletores de Frequência, no Opinião

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Além de TransmutAção, o show foi recheado de hits dos dois álbuns anteriores do grupo

Texto: Bruno Teixeira

Fotos: Rafael Casagrande

Trans.mu.ta.ção: Biol. Formação de uma nova espécie por meio de mutações/Fís. Mudança de um elemento químico em outro.

Analisar o show de lançamento de TransmutAção, novo álbum de BNegão e os Seletores de Frequência, a partir de seus conceitos pode não ser o método mais adequado, mas ajuda a compreender os fatos ocorridos na noite da última quinta-feira, 5, no Opinião. Metaleiros balançando ao som de tambores, manos pulando em rodas punks e momentos de meditação que deixavam parte do público em transe foram algumas das várias transformações provocadas pela música do grupo carioca.

É bem verdade que o conceito do espetáculo, divulgado por meio de releases na imprensa e na internet, descreve faixas convidativas à despressurização da mente e a circulação de energias. No entanto, dez minutos antes do show, o que se via no local colocava em dúvida essa promessa. Além de não estar cheio, o Opinião mais se parecia com um bar temático. Pessoas sentadas, conversando e ouvindo black music dos anos 1970. Pelos corredores, promoters da Natura divulgavam as fragrâncias da franquia e os banheiros  haviam sido decorados com flores e sabonetes da marca.

A natura, por meio do programa Natura Musical, patrocinou a produção do disco e também apoia a turnê de lançamento, que já havia passado por seis cidades em todo o país. Depois de Porto Alegre, a banda segue para Brasília (13), Belo Horizonte (14) e Rio de Janeiro (21). TransmutAção foi disponibilizado para download gratuito no site do Natura Musical (baixe aqui) e também pôde ser adquirido fisicamente na lojinha montada com camisetas e outros produtos do grupo no local.

A conversa entre dois fãs que estavam no bar indicou que aquele cenário poderia ser desfeito assim que o vocalista colocasse os pés no palco. “Semana que vem, tem o show do Emicida. Acho ele foda, mas não tenho dinheiro para ir aos dois shows. Então, vim hoje”, contou um deles. “O BNegão (a música dele) é mais pesado”, completou. E o amigo sentenciou: “Suas letras estão anos luz a frente de tudo”. O diálogo foi um tanto quanto significativo, pois poucas horas antes Tom Zé havia se apresentado no Salão de Atos da Ufrgs. Além disso, na próxima semana, também estão programados outros grandes shows, como o 26° Prêmio da Música Brasileira, o Festival El Mapa de Todos,  a banda Pearl Jam e, o já citado, rapper Emicida. Adicione a isso ao fator econômico, como também mencionado pelos rapazes, e podemos concluir  a grande parcela do público que estava presente acompanha a carreira de BNegão para além de seu trabalho no Planet Hemp.

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A apresentação da noite também teve momentos para reflexão e libertação da mente

Vinte minutos após o horário programado, o som dos tambores fez o público que estava distante ir rapidamente para  beira do palco. Foi “Agô”, faixa de introdução ao disco, que dava boas vindas aos convidados. A percussão combinada ao trompete e arranjos de metais criou, já na largada, uma atmosfera envolvente. Então, foi a vez de BNegão entrar em cena e dar início a transmutação.

No primeiro ato, as onze músicas do álbum foram reproduzidas integralmente. “Dias da serpente” foi a primeira, seguida de “No momento”  e da candidata à hit do álbum, “No mundo tela”, mistura de funk com rap e versos que problematizam a dependência contemporânea de estar conectado à Internet. Ando na rua/Não percebo que tá do meu lado/Mais um pedindo pra ser assaltado/ Olho, na tela, sigo hipnotizado/Com o fone nas oreba quase morro atropelado.

A versatilidade do grupo faz jus ao seu nome, pois como alguém que gira o dial de um rádio, ou o seletor de uma televisão antiga, em busca de uma nova frequência, a banda transitou da sonoridade dos tambores africanos, para a mistura entre funk e rap, o cross over entre suf music e jazz etíope, em “Surfin’ Astatke”. De autoria do trompetista Pedro Selector, a música instrumental é um tributo à Mulatu Astatke, conhecido como o pai do ethio jazz.

Assim como em “Surfin Astatke”, compor TransmutAção como um álbum somente de instrumentais foi a intenção inicial da banda. Apesar de a ideia ter sido revogada e grande parte das músicas terem recebido letras, em cada uma delas há um espaço amplo para que os Seletores de Frequência evidenciem sua qualidade sonora. Caso do samba-jazz, “No amanhecer”, e de “Faixa amarela”, releitura do clássico do sambista Noel Rosa.

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Em “No ar”, banda mistura ritmos de matriz africana ao pancadão eletrônico do funk carioca

O público já estava envolvido no samba de gafieira quando BNegão começou a transitar de um lado para outro do palco. Luzes azuis deram um tom celestial ao Opinião e o som dos tambores deu início a “Tema para Iemanjá”, outra composição instrumental, em seguida “No ar (convocação)” transformou o local em um grande terreiro. Algumas pessoas batiam palmas no ritmo de uma roda de capoeira, outras dançavam como se sentissem a música guiar o seus corpos. De olhos fechados, girando, enquanto BNegão proclamava: Em movimentos circulares, espanda/ A energia da mudança em todos lugares dança/Nessa ciranda de dimensões interconectadas.

A energia permaneceu em “Giratória (sua direção)”, mas ao ritmo de ancestralidade afro-brasileira foram adicionadas batidas de funk carioca com uma sonoridade futurística que foi executada pelo próprio BNegão em uma MPC. “Nós (ponto de mutação)”, última faixa do disco, trouxe um clima de reflexão ao show e convidou o público à libertação da mente.

O fim do primeiro ato não foi o fim da transmutação. Como se num banquete servido após a oração, o clima de espiritualidade foi quebrado pelas baladas inconfundíveis do álbum anterior, Sintoniza lá. Um dos pontos altos do segundo ato foi quando BNegão cantou “Dorobo”, em homenagem ao rapper Sabotage, com quem gravou o single no início dos anos 2000. Além de Sabotage, Skunk, um dos fundadores do Planet Hemp, o rapper Speed Freaks e o pai do Manguebeat, Chico Science também foram homenageados.

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BNegão cantou “Dorobo” em homenagem ao rapper Sabotage, morto em 2003

O rapper Paulão King, ex-líder da banda de macumba metal, Gangrena Gasosa, subiu ao palco para cantar “Funk até o caroço”, clássico do primeiro álbum do grupo, Enxugando o gelo. O visual incomum de um rapper com roupas de metaleiro já incitava alguns simpatizantes ao caminho inevitável que o show tomaria.

Quando BNegão gritou ao microfone, “Agora é hora do HC”, teve início a última transmutação. Luzes vermelhas tomaram conta do ambiente e enquanto algumas pessoas corriam para as laterais da pista, rapazes, em um nível alto de excitação, corriam para o centro. Um homem com cerca de dois metros ergueu a sola do pé com tal energia que faria inveja ao zagueiro mais criminoso do interior do estado e mergulhou na multidão. Estava formada a roda punk.

“A verdadeira dança do patinho” e “Subconsciente” encerraram o show. Depois disso, momentos de silêncio, respirações ofegantes e sorrisos, inclusive de Tonho Crocco, que se revelou em meio à multidão. Os ânimos estavam no alto. A banda se despediu, mas o público não queria sair.

As múltiplas facetas de TransmutAção comprovam o conceito proposto pelo disco e foram levadas a um nível superior pelo show ao envolver de forma sensível o público. O engajamento deste, por sua vez, foi fundamental para superar o fato de a casa de show não estar com uma lotação tão expressiva quanto em outras oportunidades. Por isso, como dito pelo próprio BNegão, “a diferença entre uma festa de bacana e uma festa bacana não é mero detalhe”.

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